PRÓLOGO 1/2: O TRATADO DO POMBO CORREIO

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  A garota limpou, disfarçadamente, uma lágrima que escorria pela seu bochecha. Seu nome? Elizabeth. Uma menina que havia sido sempre muito alegre, até o fatídico dia em que seu pai, um dos maiores guardas da corte, faleceu devido a um surto de leptospirose nos subúrbios do reino, nada mais comum para uma área degradada, onde nem os porcos almejariam morar.

  A pequenina lamentava, silenciosa-
mente, por não ter tido a chance de aproveitar um pouco mais de tempo com seu pai. Apesar do luto, ela oferecia total apoio à sua mãe, em alguns momentos até forçava um sorriso, mesmo que falso, era a coisa mais reconfortante que podia ser vista, um pouco de serenidade em meio a uma tempestade arrebatadora, que levou não apenas um ente queri-
do como também a maior parte do sustento da família, a mais nova viúva se desmanchava em lágrimas, ela sofria pela morte de seu amado assim como pelo medo que a única coisa que lhe restava, sua filha, perecesse sem comida, sem roupas ou calçados, em suma: Como uma miserável.

  Uma pequena chama de esperança acendeu-se assim que apareceu, ao longe, uma carruagem real. Uma oportunidade única, na qual aquela família, ou o que agora restava dela, iria se apoiar, uma chance de sobre-
viver.

  O coche era puxado por dois cavalos negros, suas patas batiam no chão, fazendo-o estremecer a cada passo que davam, o cocheiro, com um nariz fortemente empinado, demonstrava nojo a cada resmungo baixo que soltava, claramente descontente com a situação, ele parou em frente a Elizabeth, ergueu um pergaminho e o leu em alto e bom som, para que todos os presentes ouvissem:

  -Em homenagem a Alex Sartori, fiel guarda real, e como uma última forma de recompensa pelos serviços prestados, sua mulher, Bianca Sartori, e sua filha, Elizabeth Sartori, estão sendo convidadas a se hospedarem no palácio, servindo respectivamente como cozinheira real e dama de companhia da princesa.

  Liza, apelido afetuoso pelo qual era chamada a jovem, não sabia exata-
mente se ser acompanhante de uma princesa seria algo bom, ela não fazia ideia do mundo que se estendia longe dos subúrbios, lugar onde nasceu e cresceu, o que mais a motivava a tomar coragem era o fato de que se não mudasse o rumo da sua vida, ela acabaria mais cedo do que imaginava.

  E assim as duas foram, com medo do desconhecido, mas com uma fé incomparável, até o dia da mudança, que, para os olhos mais desatentos, foi apenas mais um, mas para os de Pietro Giovani, herdeiro legítimo do trono, foi o mais encantador, o nobre adorava fugir da monótona rotina que levava, e aquela era uma oportunidade imperdível. Ele estava encostado na janela de seu quarto, analisando a paisagem cuidadosamente, os pinheiros ao longe, algumas gotículas de orvalho que ainda dependuravam-se na vegetação, o ar quente e úmido que pairava sobre as construções e uma carruagem um tanto quanto....Inesperada.

  -Não fui avisado sobre nenhuma visita... -indagou com um tom alegre na voz

  O príncipe vestiu-se adequadamente, abriu a porta, para sua sorte não havia ninguém no corredor escuro, pé ante pé ele se aproximou da escada e desceu-a, indo parar no salão principal, onde estavam dois faxineiros conversando vagarosamente, o mais alto inflava o peito, demonstrando seu orgulho por ter ganhado uma briga de bar, mas mudou completamente sua postura ao perceber a presença do garoto, pegando um rodo e baixando a cabeça, para fingir que estava cumprindo sua função.

  -Eu não vi vocês e vocês não me viram, entendido? Ótimo.

  Uma das diversas manias que ele tinha era a de perguntar e tirar conclusões antes mesmo de receber alguma resposta, incorrigível nesse aspecto, um precipitado nato, apesar de muito incômodo, esse seu defeito as vezes o ajudava, e foi em um desses momentos que Pietro avistou Elizabeth.

  Ao sair do salão ele abandonou sua compostura, abrindo um largo sorriso que mostrava seus dentes, correu pelo pátio até a diligência*, chegou lá no momento exato em que Bianca estava desembarcando seguida de sua filha.

  -Liza, parece que alguém veio nos dar as boas vindas. -Com um olhar doce ela encarou Giovani, enquanto a garota se escondia atrás de seu vestido- Ah, perdão, ela está um tanto quanto envergonhada, não gosta muito de fazer novas amizades.

  -Entendo perfeitamente, senhora! -Ele ergueu a mão para Elizabeth- Prazer, Liza, meu nome é Pietro...Pietro Giovani.

  Bianca engasgou com sua própria saliva, então aquele era o príncipe?

-O prazer é meu -A garota, meio sem jeito, fez uma cortesia, seu vestido esfarrapado contrastando com sua elegância- Me chamo Elizabeth... -a voz falhou por um momento, sua língua parecia relutante em pronunciar o sobrenome herdado de seu pai- ...Sartori

-Eu...Hm...Queria dizer que te achei muito bon...Elega...Que gostei da sua personalidade! Você é nova aqui, certo?

-Agradeço o elogio, apesar de não termos conversado nem um minuto, e correto, sou nova aqui, serei a acompanhante de sua irmã, disseram que esse cargo vai combinar comigo, sou uma das poucas jovens alfabetizadas. Agora, se me permite, irei colocar essa mala -levou o dedo indicador até a mesma- dentro do meu quarto, tenha um ótimo dia, senhor Giovani.

  Ela se virou de costas, entrou no quarto e fechou a porta, um estrondo pode ser ouvido, a clara mensagem de que a garota não estava a vontade para conversar.

  Pietro estava satisfeito, tinha um plano em mente, ele se despediu de Bianca e caminhou até a cozinha, onde encontrou uma antiga funcionária que estava devendo um favor, o qual em breve seria prestado.

Diligência: nome mais chique para carruagem

Atenciosamente, Elizabeth: O trono de nenúfar (Livro Pausado)Onde histórias criam vida. Descubra agora