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Caminhei receosa até a garagem.
Já era cerca de nove horas da manhã, e meu coração permaneceu inquieto desde os eventos da noite anterior. Será que aquilo foi, na verdade, um sonho?
Ergui o portão mantendo uma distância segura. A luz da manhã invadiu o local e fui capaz de ver um garoto encolhido em um canto qualquer da parede.
Nos reverenciamos e ficamos perdidos por alguns instantes, um encarando o outro, sem saber como agir.
—Você está com fome? —perguntei.
—Um pouco —ele respondeu, se levantando.
O levei até a cozinha de minha casa, ele retirou os sapatos sujos de terra na porta e me seguiu para comer alguma coisa.
—Então... —puxei uma cadeira e me sentei na mesa, bem em frente à ele —Acredito que você me deva explicações, não?
—Perdão. Eu vou embora após comer.
—Você fugiu mesmo da Coreia do Norte? —ignorei totalmente o que ele havia dito.
—Bem, sim... Mas por favor noona*, não conte para ninguém. Minha família estava enfrentando um período difícil e nós ultrapassamos a parte desmilitarizada da fronteira. Eu corri por horas, até acabar nesse lugar.
"Noona"? Então eu sou realmente mais velha que ele. Senti pena por um momento, aqueles olhos assustados pareciam pedir socorro.
Improvisei alguns curativos e pedi permissão para que pudesse colocá-los nele.
—HyeMoon —eu disse, limpando uma ferida em sua testa —Cha Hye Moon.
Ele me olhou por um instante e, ainda incerto, respondeu: —Kim Yo Song.

                                •••
Subi as escadas e recolhi algumas roupas velhas do armário de meu pai. Cedi um banheiro e uma toalha para que YoSong tomasse banho, e deixei as vestes à disposição dele. Fiquei esperando ansiosa até ele retornar.
Agora que estava limpo, podia ver seus traços mais claramente. Ele era bonito, mas carregava uma expressão séria. Se ele realmente veio de um lugar tão estranho, não ficaria surpresa em saber que ele não sorria. Lá tudo parece ser estritamente proibido, incluindo demonstrar alegria. Minha nação já está acostumada com o agito, então aquele homem era um ser totalmente desconhecido para mim. Eu sentia que precisava explorá-lo, entendê-lo.
—Obrigado, noona. As roupas serviram bem.
—Quantos anos você tem?
—16. Você é mais velha, certo?
—Eu tenho 17. Estou no último ano do colegial. —abri um sorriso, mas não foi retribuído.
Escutei alguém bater na porta e uma voz familiar me chamando, "HyeMoon-ah!".
YoSong se assustou e recuou um passo. Eu segurei sua mão e o levei até meu quarto. Coloquei o indicador em frente à minha boca, pedindo que ele permanecesse em silêncio. Fechei a porta e desci as escadas.
—NaEun! —abri a porta e uma garota bem arrumada entrou —Você não me avisou que vinha.
—Nós somos amigas há seis anos e eu ainda preciso avisar quando venho? —ela jogou uma mochila no sofá da sala de visitas e se sentou no tapete.
NaEun é minha melhor amiga há anos. Ela é linda, sempre chamou a atenção dos meninos do colégio para si. Recentemente, tem feito audições na esperança de debutar em um grupo musical.
Mordi o lábio, temendo que ela sugerisse que nós subíssemos até meu quarto. Não foi por menos; um estrondo ecoou no segundo andar da casa e ela voltou os olhos ao teto.
—Tem mais alguém aqui? —ela perguntou, levantando.

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*Noona: é utilizado por homens; é uma forma de chamar uma mulher mais velha. Quanto às mulheres se referindo a outra mulher mais velha, a forma de tratamento é "unnie".

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