Capítulo Único.

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Solo una vez he tocado el paraíso con mis dedos y te besé, te besé, te besé.

(...)

Con toda el alma y la piel, yo te besé.

Te Besé - Leonel García ft. Maria José


MAIO DE 1945

STORK CLUB, NEW YORK

Ela estava ali, sentada no bar sozinha e observando o gelo de seu whiskey se dissolver fazia mais ou menos cinquenta minutos. Constantemente sua cabeça se levantava, e ela podia sentir seus olhos se desfocando subitamente por olhar para o mesmo ponto por tanto tempo, procurando pelo relógio na parede atrás do balcão. Contudo, antes que pudesse encontrá-lo ela os desviava, temendo o que poderia encontrar escrito ali. Peggy não queria ter certeza de quantas horas eram. A mulher sabia que já devia ter passado de um certo horário, mas a ansiedade de não saber era a infinitamente melhor do que a agonia que ver as horas e confirmar o que a parte lógica do seu cérebro sabia. Está se iludindo, seu consciente dizia, você sabe que é impossível. 
Sim, era impossível, mas seu coração não conseguia evitar de ter esperanças. Não sabia o que faria caso essa maldita parte estivesse certa.
Peggy era uma mulher à frente de seu tempo, muitos diriam. Ela era independente, e não havia alma viva que pudesse mandar nela. Sim, seguia ordens no trabalho (apesar de a maioria serem ridículas) mas apenas no seu ambiente profissional. Em sua vida pessoal ela era dona de si mesma. Ao contrário da maior parte das mulheres à sua volta – aquilo era os anos 40, afinal – ela não dependia de um homem para sua vida fazer sentido. Tinha um trabalho importante e significante para lhe sustentar, era grandinha já e podia se virar sozinha. Peggy Carter era o que chamariam de feminista futuramente, já que ela acreditava que era muito mais do que uma possível esposa de alguém ou geradora de filhos. Peggy queria fazer a diferença, sabia seu valor e estava determinada a prová-lo. 
Porém, tudo perdia um pouco de importância comparado a ele. Não é que ela fosse contraditória ou uma hipócrita, mas a inglesa apenas tinha prioridades. Sim, ela queria ser alguém na vida, muito além do que apenas uma trophy wife, queria mudar o mundo, nem que levasse a vida inteira. Mas era exatamente por isso que ele era tão perfeito para ela. Ele entendia essa sua necessidade, porque a tinha também. Ele acreditava nela, a encorajava e torcia por seu sucesso, sempre lhe dando o respeito requerido com sua hierarquia e no trabalho deles. Constantemente se mostrando orgulhoso de suas conquistas, a incentivando a conquistar mais e mais. O ponto não era que ela precisasse disso, porque a verdade era que não precisava. Mas sim que ela queria tal apoio, e ele estava ali, pronto para lhe dar.
Juntando com a pessoa incrível que era, todas suas qualidades; sua determinação por fazer o que é certo; seu caráter, suas crenças e valores de que nada daquilo, nada daquela guerra era certo e persistência em terminá-la o mais rápido possível para acabar com todo o sofrimento; a bondade e gentileza que demonstrava a todos na SSR, desde do mais novo soldado até o general mais antigo... Peggy poderia passar a noite listando suas qualidades. Claro que ele não possuía apenas virtudes, ela tinha tantas histórias do que seus defeitos causaram; sua impaciência, louco para tomar o mundo apenas contando com um escudo de madeira; sua teimosia, a dificuldade de assumir estar errado e a insistência em fazer as coisas de seu jeito mesmo quando admitia seus erros. Sua alma de artista, que mesmo a agente amasse tanto tal seu traço, vinha acompanhada de uma tendência o drama que ela achava quase cômico. Porém, a parte irônica era que seus defeitos só o complementavam. Ele não seria essa pessoa sem eles, e era por esse motivo que os amava, pois tais defeitos só tornavam mais perfeito. 
Peggy tinha certeza que mesmo que não estivesse completa e loucamente apaixonada por ele, Steve ainda seria um dos melhores homens que já havia conhecido, merecendo cada pingo de admiração que o mundo estava disposto a lhe dar. Mas ela estava apaixonada. E Steven Grant Rogers definitivamente era perfeito. 
Ele era perfeito para ela. Ele era seu right partner. Era o amor de sua vida. Em um mundo ideal, a mulher se mudaria para Nova York após a guerra e eles se investiriam no relacionamento. Talvez até se casariam, cercados por seus amigos próximos. Os Howling Commandos, Howard, Coronel Phillips, Bucky Barnes... eles se casariam, ela continuaria a trabalhar como agente para a SSR, ele seguiria com sua carreira militar ou talvez voltasse para sua faculdade de artes e se tornaria um artista profissional, qualquer coisa que seus sonhos exigissem. 
Passariam uns anos casados apenas aproveitando um ao outro e então, quando a hora chegasse e ela tivesse uma estabilidade no trabalho, eles poderiam ter filhos. Talvez dois ou três, sem preferência de sexo, desde que nascessem saudáveis e talvez com os olhos azuis turquesa que ela tanto amava. Eles finalmente teriam uma família, já que Steve perdeu a mãe cedo e nunca conheceu o pai, e ela que ainda estava em luto pela morte do irmão e que havia perdido o contato com a família para protegê-los durante a guerra, devido ao seu trabalho. 
Eles cresceriam tão amados, com tantos "tios" que lhe contariam as mais diversas histórias sobre os pais, dois imãs para problemas. Bucky contaria todas as confusões que Steve se metia quando os dois eram crianças, suas travessuras e o que a dupla dinâmica aprontava quando os dois tinham o tamanho dos pequenos. Junto com os Howling Commandos, ele contaria histórias de guerra e como o pai deles era tão corajoso que chegava a ser insensato, a mãe tão destemida e disposta a enfrentar Deus e o mundo, e como o pai deles só tinha olhos para ela desde a primeira vez que a viu, em Camp Lehigh. Eles os ensinariam movimentos de luta e táticas, e junto com Howard os encheriam de presentes. Quando as crianças estivessem grandes o suficiente ela voltaria para o trabalho, ainda disposta a mudar o mundo, negando-se a ceder o seu lugar merecido e Steve a apoiaria, pois ele reconhecia seu valor e sabia o quanto aquilo era importante para ela. E eles envelheceriam juntos assim, sempre apoiando o outro, servindo como rocha e porto seguro, sempre uma equipe e sempre se amando loucamente. Viriam brigas, discussões, tempos difíceis e provações, mas ela sabia que os dois teriam perseverança e venceriam qualquer obstáculo, do mesmo jeito que haviam vencido a guerra. 
Porém aquele não era um mundo ideal. Eles haviam vencido a guerra, mas não haviam vencido o destino. Não haviam vencido a morte. Aquele era o mundo real, e no mundo real Steve Rogers estava morto. 
Com todo seu interior dilacerado com aquele pensamento, a consumindo a cada segundo e a ameaçando tirar toda a força que fazia para ficar em pé, ela soube que não podia mais fugir. Não dava mais para enganar a si mesma, pois a ilusão que criava já doía tanto quanto a realidade. Então, Peggy finalmente olhou para o relógio. Ele marcava um horário que fazia seu coração doer, o ar escapar de seus pulmões e as lágrimas formarem em seus olhos. Eram 20:35 de 17 de maio. Eram 20:35 da noite de sábado e estava sozinha. Trinta e cinco minutos se passaram, e apesar de uma parte desesperada ainda se agarrar que o homem estava atrasado, do mesmo modo de quando voltou do resgaste do 107° na Áustria, seu coração estava se deparando com a mais cruel verdade: Steve Rogers não estava ali porque ele não viria, de jeito algum. Ele não viria pois estava morto, preso em uma nave em algum lugar do atlântico, apenas com água e gelo para lhe acompanhar na mórbida eternidade. Estava em um lugar tão remoto que nenhuma expedição de busca havia achado alguma forma de vida por milhares de quilômetros. Nem a dele havia sido encontrada. 
Ela virou a cabeça tão rapidamente para a entrada que pessoas do lado de fora, do outro lado da rua, talvez pudessem ter ouvido o estalo que seu pescoço deu. Seus olhos frenéticos reviravam o cômodo, desesperados para encontrar um homem loiro, alto e de olhos azuis, em seu uniforme verde e com um sorriso tímido no rosto. A cada segundo que passava o pânico se alastrava e um frio tomava conta de seus ossos, dando a impressão de que poderia estar nua na neve, tamanha era a percepção de seu interior se congelando. Uma sensação de claustrofobia lhe subiu a garganta, e ela respirava e respirava, mas nenhum ar entrava em seu corpo. Peggy estava se afogando, cada vez mais, afundando-se em suas emoções até que estivesse no fundo do oceano junto de Steve, em sua companhia e não sentada em um bar esperando alguém que não iria vir. Alguém que nunca mais iria ver. 
Foi apenas quando sentiu um soluço, dois, três escaparem de seus lábios que ela voltou a si novamente. Peggy tentava controlar o choro, mas não conseguia engolir as lágrimas que saíam aos montes de seus olhos, a imensa tristeza e o vazio tomando conta de seu corpo e lhe impedindo de tomar o controle. Ela só havia se sentido assim uma vez na vida: quando viu os oficiais do exército britânico em sua porta, anunciando para seus pais a morte de seu irmão, Michael. Ela lembrava de ter tentado gritar, mas nenhum som ter saído de sua garganta, tamanha a força que ela impunha em suas cordas vocais, incapazes de reproduzirem tal som. Som que era a definição pura de desolamento, de desesperança, de um luto jamais visto antes. 
Ela deveria ter se sentido grata que suas cordas vocais ainda não conseguiam reproduzir o som de seu coração sendo esmagado pela tonelada de luto que o envolvia, ou as pessoas em sua volta no bar certamente se assustariam. As pessoas sempre se assustavam com a destruição, então a mulher não tinha dúvida nenhuma que se assustariam com a tradução de toda ruína e devastação que sua alma carregava transformado em ruído. Se a morte soasse como o resto dos sonidos corporais, aquele seria o som. 
Só que nem ela, uma inglesa que prezava pelo decoro, não conseguiria se importar. Tão incapacitada por seus sentimentos, apenas se sentou no banco da toalete que nem havia percebido que havia adentrado. Levantou as pernas no banco, pouco se importando com o sapato no couro ou de que ainda estava em público, ela as abraçou, abaixou a cabeça nos joelhos e chorou. Aos prantos ela soluçava, despedaçada e perdida em seu próprio mundo. 
Nem quando Steve havia afundado com ela ouvindo no comunicador havia se sentido tão inútil, desesperada e desesperançada. Ela se lembrava de gritar com o comunicador, as lágrimas escorrendo como cachoeiras. Lembrava-se dos braços de alguém a envolvendo, provavelmente de Dum Dum, e a levando para longe do painel de comando. Havia passado pelo menos uma hora chorando nos braços do amigo, desolada após ouvir Steve afundando. 
Ninguém havia dito nada para ela, após a mulher finalmente derramar tudo de si em suas lágrimas, a deixando em um estado catatônico, quase anestesiado após chorar tanto. Mal sabiam que a cada segundo que se passava parecia que alguma parte de si afundava junto com ele. Afogando-se em si mesma, sentindo a queimação do afogamento por todo seu corpo, sentindo o peso da água a pressionando e a comprimindo, a amassando como se quisesse esmagar sua existência ali mesmo. Não que ela se importasse. Porém ela só ficou quieta, a exaustão do turbilhão emocional dos últimos dias, junto com o que estava passando nas últimas horas, a exaurindo a ponto de não conseguir fazer nada mais que respirar. Algo que Steve não estava fazendo, Peggy se recordava de seu cérebro adicionando desnecessariamente. 
Mas não, ninguém havia lhe dito uma palavra sequer. Porém, o que havia para dizer? Todos ali se importavam com Steve. Todos ali o tinham como companheiro, como amigo, como irmão. E, como quando souberam da perda de James, sabiam que não haviam palavras que amenizariam o vácuo que ele havia deixado. Era por isso que ela não se importou com a falta de consolações, e estava satisfeita com a presença que os amigos lhe faziam. Dum Dum, Gabe, Morita, Falsworth... todos, em algum momento daquele terrível dia, a abraçaram silenciosamente, a apertando alguns instantes contra eles, e ela pode sentir as lágrimas de cada um caindo em seus ombros. Talvez ela tivesse que ter se sentido melhor, vendo que não era a única ali a doer tão dolorosamente. Redundância? Não. Era que sua dor era tamanha, que a única intensidade que ela conseguia a descrever era a comparando com si mesma. Contudo, nem isso conseguia a confortar. Ao contrário, na realidade: só piorava, vendo o tamanho que Steve realmente tinha. O quanto daquela divisão era o Capitão, a importância que ele tinha e o que ele representava. E isso só aumentava o oceano de tormenta que tentava a engolir. Peggy nem tentava lutar, só deixava que ele a arrastasse cada vez mais fundo, a consumindo por completo. Ela poderia estar ali na base da HYDRA, mas para todos os efeitos, era como se tivesse sendo afogada junto com o loiro. 
Depois de Phillips, ela achou que ficaria sozinha pelo resto da noite, o coronel mais velho a abraçando pela primeira vez desde que o conhecera, quase quatro anos atrás. Talvez ela tivesse achado irônico em alguma outra hora, mas naquele instante eram outros braços que ela queria em si. Peggy preferiria nunca ter uma demonstração física do chefe, que tinha quase como um pai, se significasse estar em outra situação. Se significasse que Steve estava vivo. 

Te BeséOnde histórias criam vida. Descubra agora