0.1 | Degustação.

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ANA CLARA
🎧

[...] Eu pude sentir a brisa do vento vindo ao encontro do meu rosto e o cheirinho de grama molhada, que subia à medida que as folhas das árvores caíam naquele outono. Perdida na sensação, de olhos fechados, senti seu cheiro. Eu conhecia muito bem aquele perfume: era aroma de sabonete infantil e de banho recém-tomado. O que ele estava fazendo ali? Não era bem quem eu esperava encontrar. Seu corpo estava perfeitamente moldado na calça social preta e na camisa branca. Reparei nos primeiros botões abertos e no cabelo bagunçado... Provavelmente, viera correndo. Mesmo assim, era tão bonito! Suas bochechas estavam vermelhas, ele estava ofegante; certamente havia corrido demais. Então, quando seus olhos encontraram os meus, ele me lançou aquele sorriso lindo e franziu a testa.

— Por que está vestida assim?

— Nem queira saber — respondi, claramente perturbada.

Eu usava um vestido azul maravilhoso, meu cabelo cuidadosamente amarrado em um coque despojado — que deixava alguns cachos cor de mel caírem pelo rosto — e, nos pés, calçava um All Star... vermelho.

Sim, isso mesmo.

O garoto foi chegando mais perto. A cada barulho de galhos e folhas que fazia ao pisar sobre a grama, meu coração batia mais forte; até que ele parou, olhou em meus olhos — estava tão próximo que eu já podia ver as gotículas de suor em sua testa — e chegou ainda mais perto. E mais. Até que não houvesse nenhum espaço entre nós. Eu estava rígida, surpresa e até um pouco desesperada.

— O que... q-que você está fazendo? — gaguejei.

— Ana, me perdoa. Eu não consigo mais fazer isso, sei que estou sendo egoísta — tentou explicar.

— Você não acha que está perto demais? — Eu só conseguia pensar em como queria agarrá-lo.

— Não quero mais ficar longe de você, não consigo aguentar! Juro que tentei me controlar, mas não consigo. Cada minuto que te vejo ao lado de outra pessoa me mata por dentro.

— Do que você está falando? — Ofegante, eu me afastava a cada passo que ele dava em minha direção.

Ele era esguio e esbelto, porém, tinha ombros largos e braços fortes. Eu podia ver seus músculos demarcados através da camisa branca apertada, e seus olhos angulados se estreitavam para focar em meu rosto — eu sabia que ele não enxergava muito bem de perto, ainda mais sem os óculos. Estava, sinceramente, tentando me concentrar nisso, até que ele colocou as mãos em volta da minha cintura, abaixou a cabeça até encostar seu nariz no meu, e quando dei por mim

[...]

— Ana Clara, você não ouviu o despertador? Já são oito e meia. Levanta ou você vai se atrasar!

Pulei da cama e caí com os joelhos no chão, sem entender o que estava acontecendo. Aquilo tinha sido um sonho? Não dava para acreditar! Corri para o banheiro a fim de ver minha situação. Aparentemente, eu não havia lavado o rosto antes de dormir, e minha maquiagem inteira havia derretido; meus olhos estavam tão pretos que qualquer panda teria me confundido com um deles. Meu cabelo enrolado estava para cima e cheio de nós, me transformando em uma cospobre de cacatua. Em minha boca, sentia um gosto horrível — talvez eu não devesse ter bebido tanto no dia anterior, droga! Eu estava um verdadeiro zoológico.

Que maravilha! Meu primeiro dia de aula depois daquele desastre, e eu estava atrasada e destruída. A ideia de não chamar muita atenção e entrar escondida, sem ninguém me ver, fora por água abaixo. Aliás, depois do supermico que tinha pagado na confraternização da turma, na noite passada, o que eu queria mesmo era entrar com um saco de pão na cabeça, antes de todo mundo, e sentar embaixo da última carteira para ninguém me ver.

DO OUTRO LADO DA JANELA    «CONCLUÍDO»Onde histórias criam vida. Descubra agora