Capítulo 1

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          Outubro, 2017.

          "Ai meu Deus, estou atrasada..." Charlie pensava desesperadamente enquanto corria o mais rápido que podia pela calçada de uma avenida movimentada de San Francisco, tentando não deixar sua bolsa cair e tentando não esbarrar em algum pedestre desavisado pelo caminho.

          A mulher de longos cabelos castanhos era sempre pontual, e havia pegado um taxi de seu apartamento até o centro da cidade com tempo de sobra, mas ela não esperava que o transito estivesse tão ruim assim fora do horário de pico. Eram apenas duas horas da tarde!

          Sem tempo a perder e vendo que chegaria atrasada ao seu compromisso se esperasse até que o transito fluísse decentemente, Charlie havia pagado ao motorista do taxi o valor da corrida até ali e deixado o veículo para seguir á pé até o restaurante Savini's, onde Cameron a esperava para um almoço/reunião de negócios.

          Não. Charlotte "Charlie" Dixon não era uma executiva de alguma grande compania, ou alguma micro-empresária emergente. Não, ela era apenas uma jovem escritora de sucesso e Cameron Milton era seu Agente Literário.

          A reunião agendada tão em cima da hora era para falar sobre seu próximo projeto (ao menos era isso oque ela achava que era) e podia muito bem ter sido conduzida no prédio da Editora Vianco, no entanto Charlie preferia a informalidade de um almoço ou jantar em um lugar legal, ainda mais se fossem apenas debater ideias, diferente de reuniões mais sérias, para decidir contratos por exemplo.

          Felizmente o restaurante não era tão longe de onde o taxi a havia deixado e logo ela estava na frente da vitrine do Savini's, um pequeno porem aconchegante restaurante de comida italiana, que tinha o exterior de tijolos vermelhos e um toldo verde bem vintage no alto.

          Ainda um pouco sem folego por causa da corrida, (é Charlie, está derrubada filha) a morena ficou um tempinho ali do lado de fora do estabelecimento, se recompondo. Aproveitando-se da vitrine do restaurante que estava limpíssima, a jovem escritora observou seu reflexo, verificando se tudo estava em ordem.

          Seu longo cabelo castanho estava solto e jogado para o lado. Seus olhos castanhos estavam emoldurados por delineador marrom e em seus lábios havia um batom cor de boca, uma maquiagem simples mas apropriada, afinal aquela era uma reunião e Charlie não podia simplesmente vir de cara lavada. Ela usava uma calça preta justa e um agasalho de lã verde clarinho, pois o outono havia chegado e ela já começava a ficar com frio. Não era muito chique, mas de novo, era apropriado.

          A jovem ajeitou o cabelo que havia se bagunçado um pouco com o vento e decidindo que estava apresentável o suficiente, entrou no restaurante.

          O ambiente era simples e aconchegante. A decoração era vintage, de bom gosto, e nas paredes haviam porta-retratos com fotos de celebridades dos anos 40 que haviam frequentado o lugar. A música ambiente era suave os aromas que vinham da cozinha eram maravilhosos. Haviam algumas mesas espalhadas pelo salão e algumas perto da janela. Cameron, um homem de cabelos escuros e olhos azuis, estava sentado em uma dessas mesas perto da janela, parecendo irritado enquanto mexia em seu telefone celular. Quem não o conhecesse e o visse assim pensaria que o homem era chato e estava provavelmente brigando com alguém, mas a realidade é que ele era um pãozinho doce e provavelmente estava tentando jogar candy crush e estava perdendo miseravelmente. Só ele conseguia perder em candy crush.

          Charlie caminhou até seu amigo, o som de suas botas de salto alto ecoavam pelo estabelecimento estranhamente vazio naquele horário e só então seu editor notou sua presença. Imediatamente o homem que usava um terno azul marinho por baixo de um casaco sorriu e deixando o celular de lado, levantou-se para cumprimentar a morena.

          ─ Charlie, querida. ­─ ele disse beijando de leve a bochecha da moça. ­─ Tudo bem?

           ─ Sim. ­─ Ela respondeu ao sentar-se. ─ Desculpe a demora, o transito estava terrível. ─ ela se justificou enquanto tirava o casaco de lã, revelando uma blusa cor de creme de mangas compridas.

          ─ Que isso, não demorou nada. ─ Cameron a assegurou, fazendo um gesto para chamar um garçom.

          O garçom veio, trazendo consigo dois menus, afastando-se logo em seguida. O casal de amigos preferiu comer primeiro e tratar de negócios depois, então logo fizeram seu pedido, Cameron pediu lasanha e Charlie pediu um macarrão ao molho branco, e ambos decidiram partilhar uma garrafa de vinho branco.

          Meia hora depois, enquanto saboreavam um Gelatto de Chocolate como sobremesa, Cameron limpou a garganta chamando a atenção de Charlie, indicando que eles não podiam mais ficar procrastinando. Afinal, negócios são negócios.

          ─ Então... qual o motivo da reunião? ─ Charlie perguntou afinal, não gostando de todo esse suspense.

          ─ Você já começou seu novo livro? ─ Cameron perguntou desviando o olhar. ­

          Ah, sim. Era isso. Claro que seria isso.

          ─ Bem... eu estou juntando minhas ideias ainda. ─ Charlie respondeu evasiva. ─ Já tenho algumas coisas escritas...

          ─ Isso é bom. Todos estão esperando pelo novo livro da saga do "Lince de Prata".

          Charlie ficou em silêncio um tempo. Ela não podia negar, ela também amava sua obra. Era sua criação. Claro, ela jamais poderia ter imaginado que uma fantasia dark que ela começara a escrever na época da faculdade e postara em uma plataforma na internet seria um sucesso tão grande. Quem diria que ela conseguiria chamar a atenção de uma editora grande como a Editora Vianco e que ela agora, aos vinte e sete anos de idade, estaria vivendo de sua escrita. Era um sonho que havia se tornado realidade.

          Mas, obviamente, como qualquer trabalho remunerado, haviam cobranças, datas, expectativas de resultado. A série "O Lince de Prata" era um sucesso e estava atualmente entre os mais vendidos. Seu contrato era para cinco livros dessa série e o livro número quatro (O Lince de Prata e a Ninfa Negra) havia sido publicado em Maio com um estrondoso sucesso e ela não podia estar mais orgulhosa.

          Mas a verdade era que não. Ela ainda não havia começado seu novo livro. Ela estava com um bloqueio desgramado e ela simplesmente não sabia o que fazer.

          Não a entendam mal, pois ela estava tentando. Charlie se sentava por horas na frente de seu notebook, e não saía nada de sua cabeça. Em seu apartamento ela havia criado o ambiente perfeito para escrever, com um sofá confortável, musica clássica calma e relaxante, uma bela xícara de café sempre á mão, tudo perfeito... mas quando ela abria o Word, a tela branca sem palavras espelhava a tela branca em sua cabeça.

          Nada, nenhuma virgula.

          Ela estava ferrada.

          ─ Olha, eu sei que não se deve apressar a criatividade, e você ainda tem até Março para me entregar o original... só queria ter certeza de que está tudo bem. Já fazem cinco meses que o anterior foi publicado e normalmente a essa altura você já teria alguns capítulos prontos para eu dar uma olhada.

          ─ Eu vou entregar o livro na data certa. Confie. ─ Charlie disse com um sorriso confiante no rosto, mas gritando de desespero por dentro.

          Ela estava muito ferrada!

Escrito no GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora