Através da arte, dos livros, da escrita e dos elementos culturais, foi como se o tempo inteiro minha mente estivesse tentando me mostrar o caminho e eu não estivesse escutando. Cheguei a escrever um texto uma vez com a frase "O garoto estranho cresceu e se tornou escritor". Algo que tenho observado é que sempre tive mais facilidade de me conectar com narrativas que trouxessem personagens com traços semelhantes aos autísticos (mesmo que não sejam necessariamente autistas, pelo menos, não formalmente).
Entre os mitos e preconceitos espalhados durante anos sobre autistas está o de que eles não têm empatia e não conseguem demonstrar emoções. Isso me faz pensar em histórias como a do livro/filme Não Me Abandone Jamais (Never Let Me Go), do escritor Kazuo Ishiguro e até mesmo em Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands), do diretor Tim Burton – sem mencionar os personagens que vieram de outros mundos, planetas ou mesmo os humanos que são deslocados socialmente por conta de seus comportamentos que provocam estranhamentos.
A IMPORTÂNCIA DA IDENTIDADE DO AUTISTA
Descobrir de forma tardia minha Síndrome de Asperger foi um alívio. Há quem tivesse expectativa que eu devesse me sentir intimidado, mas a verdade é que quando você é diferente, independente de você querer ou não, as pessoas sempre te tratam de forma diferente. A vida inteira foi assim e continua sendo; mesmo sutilmente, as pessoas percebem que somos diferentes. Então, assim como milhares de outros aspies sem diagnósticos pelo mundo, percebo o quanto ser camaleão pode ter suas vantagens adaptativas, mas também pode se tornar um fardo. Autistas não-diagnosticados e até diagnosticados podem estar suscetíveis ao suicídio por causa do estresse, da ansiedade e da depressão, bem como podem ter uma expectativa de vida mais curta por causa de afogamentos e acidentes, entre outros problemas e comorbidades (doenças) que podem nos deixar mais vulneráveis. Acredito que, muitas vezes, a relação com o suicídio vem da sensação do desencaixe na sociedade: o diagnóstico pode ajudar na parte do autoconhecimento, a entender porque o autista se comporta de forma diferente e que, por mais estranho que possa parecer para um não-autista, muitos desses comportamentos são normais para nós, neurodiversos. Por isso é tão importante que autistas se conectem com outros autistas e/ou consumam conteúdos produzidos pela ótica deles, não somente pela visão de quem nos vê como pessoas quebradas/doentes que deveriam ser consertadas, curadas e/ou isoladas.
O autismo em si não é uma doença, como muitas pessoas acreditam erroneamente; é uma condição neurológica diversa, porém alguns cuidados e atitudes podem ajudar a reduzir as crises e outras situações que podem causar mal-estar. Os preconceitos e mitos espalhados dificultaram e muito a vida de autistas diagnosticados e não-diagnosticados. Há quem acredite, por exemplo, que um autista pode deixar de ser autista: mito. Autistas também envelhecem e dependendo do grau e das comorbidades, eles podem precisar de mais apoio. O silenciamento do autismo em adultos, especialmente camaleões, é algo preocupante que tem acontecido pelo mundo todo. Pesquisas também mostram que mesmo quando o autista consegue disfarçar o seu autismo e transitar entre neurotípicos (não-autistas), sem as formas de reduzir os impactos, ele pode se sobrecarregar e estar mais suscetíveis a crises e esgotamentos. O autocuidado é tão importante quanto remédios – e acredito que as medicações devem ser usadas somente em casos necessários.
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Aspie
Não FicçãoExistem milhares de pessoas no mundo que têm autismo/Asperger e muitos ao redor não fazem ideia. Uma ótima maneira de trazer conscientização é por meio da arte e da literatura.