Satrunís, A Ganância

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Parecia sonho, gritos de dor e pedidos de socorro torturavam meus ouvidos , eu não sabia do que se tratava. Rapidamente levantei-me e corri até a porta do meu casebre foi quando vi a pior das cenas possíveis, homens altos, cerca de 1,90 até 2,00 metros de altura, pele laranja e algumas cascas que se assemelhavam a escorpiões, subjugaram todos na vila, os homens estavam mortos, as mulheres amarradas e jogadas em carroças, crianças mortas, gritos, risos de crueldade, choro, berro e tudo ao mesmo tempo foi como uma maldição me fez pela primeira vez chorar e então como um raio de Vicasus lembrei-me de Malakar.

Tentei me orientar pelas chamas, tudo era fogo, mirei-me ao centro da vila para a cabana do velho e corri tão rapidamente que parecia um raio, a única lágrima que havia saído de meu olho já havia secado, e quando cheguei na porta vi a triste imagem. Lá estava o velho, meu pai durante toda a vida, sangrando, um ferimento profundo fazia jorrar sangue de seu peito e nada mais podia ser feito por ele, porém ele ainda estava consciente.

-Velho, levante-se temos que lutar - Eu não piscava, queria que fosse um sonho.

-Tobias, deite-se ao meu lado - O velho falava com uma voz já abafada de morte.

-Não há tempo para isso estamos sendo atacados e temos que...

-Menino, deite-se, use meu sangue, passe no seu rosto, finja estar morto - o velho chorava enquanto me dava ordens.

-Não posso deixar você morrer, se lutarmos, talvez... -Meus olhos lacrimejaram em uma voz abafada de dor e sofrimento.

-Talvez? Se lutarmos morreremos nós dois,- tossia baixo e abafado- pelo menos um tem que sobreviver, agora deite-se é uma ordem! - Essa última palavra quase não sairá.

Fiz como me foi ordenado, deitei-me ao lado do velho, melei meu rosto e braços de sangue. Ouvia ainda vozes de gritos e choro, o barulho do fogo já parecia mais alto. O velho, que já não conseguia falar, usou magia de telepatia para se comunicar comigo.

"-Vá para Mihor, ao amanhecer, procure por Simbah me é um velho amigo e irá te ajudar, ele sabe sobre seu pai." - sussurrou o velho em minha mente, e depois disso mais nada.

Logo percebi já não haver mais gritos, não ouvia choros, não ouvia o velho, não ouvia passos, somente o barulho do fogo e o calor aumentavam.

-Velho - falei baixo - ainda está aí? - sabia que não, porém queria perguntar, queria que fosse um sonho. "Onde estão os deuses?" pensei, "responda-me velho, onde eles estão agora?" Pensamentos pairavam em minha cabeça e eu comecei a chorar, pela segunda vez em minha vida chorava, e agora as lágrimas haviam desabado de meu rosto como os fios de cabelo saiam da cabeça de Korterpã. Por um momento senti algo que nunca havia sentido e posteriormente, uma segunda sensação.

"O que é isso que cai do céu? Água? Não." Já tinha ouvido falar disso, era a Chuva! Dezenove anos depois, chuva. "O velho iria gostar de ver a chuva.", pensei e em seguida abracei o velho, a areia virou lama e se juntou ao sangue que escorria dos corpos no chão. A chuva lavou o sangue de meu rosto, as lágrimas continuaram saindo de meus olhos. Foram poucos minutos até que o calor terminasse e o cheiro de terra molhada dominasse o lugar. Em alguns minutos tudo apagou, agora sem pais, sem amigos, sem rumo.

Já era manhã e o sol queimava o meu rosto e foi isso que me acordou, a terra que antes era molhada já havia secado e o sol estava queimando qualquer pele naquele momento. Eu queria levantar mas isso demorou alguns minutos, pensava no que viria, os corpos, a destruição, e foi isso que vi quando levantei, os casebres destruídos e queimados, vários corpos no chão. Tinham de ser enterrados. Peguei algumas frutas e comi em seguida cavei uma cova, coloquei um corpo, tapei com terra e plantei uma semente em cima da cova e comecei de novo, foi assim em sete corpos. Depois de ter cavado a oitava cova fui buscar o oitavo corpo e me deparei com algo que mudaria minha vida pra sempre.

"Uma garota"  pensei, a mais bela que já tinha visto, olhos negros e sem vida com cílios que faziam valer a pena olha-los, pele branca como nuvens, o cabelo era branco e passava de suas costas, usava um vestido solto e sem alças. Apesar da beleza não tinha o corpo mais formoso do mundo, mas ainda era a mais bela que eu já tinha visto.

Ela estava parada em minha frente e sua beleza me encantava tanto que um detalhe quase me passou despercebido, "Um cachorro negro" pensei, futuramente descobri se tratar de um mastim das sombras, animal favorito de seres demoníacos.

- Qual o seu nome garoto? - perguntou-me a mulher, que mais aparentava ser uma menina.

- Tobias senhora... - o medo me consumia, "como pode alguém tão bela despertar tanto medo", meus instintos diziam pra correr, mas meus pés não se mexiam, eles também me mostravam que eu não iria conseguir fugir.

- Você mora aqui nessa vila, Tobias? - perguntou-me interessada.

Não notei, porém o Mastim devorava os corpos que ainda não haviam sido enterrados.

- Moro, ou morava - gaguejei - agora estou indo pra Mihor, fomos massacrados ontem a noite, por acaso sabe como chego lá?

A garota ficou me olhando, e logo depois respondeu - Sei sim, na verdade eu estava indo para lá agora mesmo, se quiser posso acompanha-lo.

- Oh, obrigado, de verdade, nem sei como agradecer - Num momento parei de sentir medo dela, como se não houvesse mais ameaça - Então qual o seu nome?

- Meu nome é um pouco estranho, Satrunís, mas pode me chamar só de Nís - sorriu e assobiou para o mastim segui-la. Ele apareceu ao seu lado - Se quiser, temos que ir agora! Não quero me atrasar!

-Espere irei só pegar uma coisa, Nís - Fui até a barraca do velho, peguei um manto marrom que ele sempre usava, vesti. Pensei no nome da garota,"Satrunís", já havia ouvido em algum lugar, mas onde? Não lembrava.

Quando sai da cabana de Malakar, logo comecei a andar, nem sequer enterrei todos os corpos, mas isso não importava, eles não iriam reclamar, estavam mortos. Apesar de não lembrar, eu já tinha ouvido uma história sobre aquela garota, e a história se passa a quase 6.000 anos atrás, o velho contava tantas que eu mal lembrava, e era mais ou menos assim:

"Quando os deuses começaram uma guerra uns contra os outros a muito tempo atrás, se dividiram em dois lados, o que consideramos o lado ruim continha Egabrier, Alial, Uriel e Kayos enquanto do outro lado estava Emiguer, Thalia, Avana, Toria, Maeus, Caslar, Vicasus, Flora e Vão-tor. Por estar em desvantagem, Egabrier pensou em uma nova abordagem na guerra e criou demônios juntando a alma e corpo de animais com humanos. Esses tinham dentro de si um recipiente que se enchia de acordo com os pecados de todos os seres vivos na terra e cada um simboliza um pecado diferente. Em ordem de poder:

Mercuryale, o pecado da Blasfêmia;

Venusus, o pecado da Inveja;

Térus, o pecado da Preguiça;

Miarte, o pecado da Luxúria;

Júpiteru, o pecado da Gula;

Satrunís, o pecado da Ganância;

Uranau, o pecado da Ira;

Neptunas, o pecado da Avareza;

Ceres, o pecado da Culpa;

GabrikeGabrike, o pecado da Mentira;

Eris, o pecado da Traição;

Plutus, o pecado da Covardia.

Haumea, o pecado da Melancolia;

E assim começou a queda e o fim dos deuses."

A Era dos Homens - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora