51 - Sacrifício

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Um fogo insano e selvagem me dominou. Senti o crânio do ancião tremer sob o meu toque furioso. A energia que me queimava atingiu a sua mente com violência.

Ouvi os trovões ribombarem do lado de fora, se misturando aos gritos de dor dentro da sala. O vento açoitou o meu rosto. O voo das corujas foi levado ao chão quando os sábios se tornaram novamente homens, apertando as cabeças de dor. A minha energia também os atingia. As imagens dentro de mim espelhadas no interior da mente deles.

O cristal faiscou banhado pela luz. Os caçadores na Terra se conectaram a nós. Todos eles viram e sentiram as imagens, a destruição e a morte do meu mundo. A dor. O pânico. O desespero. O fogo. O caos. O núcleo da Terra esfriando e se solidificando sem magnetismo, matando seu movimento rotativo ininterrupto. A natureza sendo reduzida à secura inerte de uma terra seca sob tons de cinza. O lugar que outrora tinha sido o primeiro lar dos naturais. Eles sentiram a dor da morte e da perda.

— Já basta de mortes. — as palavras ditas em minha mente saíam pela boca do líder sob meu controle. — Já basta de destruição. Todo um mundo não pode ser sacrificado. Os portais devem permanecer abertos. Os guardiões não são nossos inimigos, são nossos irmãos. Eu farei o último sacrifício. Com o dom da sabedoria, protegerei a passagem entre os dois lados do espectro. Eu unirei a energia vital e a sabedoria dos sábios ao portal. Os humanos não poderão mais cruzar nossas fronteiras, apenas aqueles que carregam no sangue a magia natural poderão fazê-lo. Nós estaremos, finalmente, seguros. Vocês, meus filhos caçadores, terminam neste momento a missão para a qual foram preparados. São livres a partir de agora.

Eu podia vê-los se curvando em uma mesura, em sinal de aceitação e respeito. Eu soltei o ancião. A hipnose acabou. Ele desabou, fraco e ofegante no chão. Os outros sábios voltaram à realidade, saindo do transe ao qual foram subjugados. Quando o líder se ergueu, ele cria em cada uma daquelas palavras.

— Filha minha. — ele me olhou profundamente nos olhos. — Nós temos liderado nosso povo em escuridão. Tantos perderam suas vidas em vão. Hoje, você trouxe luz aos nossos olhos, e eu a saúdo e a agradeço por isso. — ele curvou a cabeça para mim, os outros sábios imitaram o movimento, em um cumprimento sincero.

Os guardiões estavam salvos. Os caçadores estavam livres. O planeta não ia morrer. Então os meus olhos se voltaram para Elisa...

— Precisamos de ajuda. — supliquei ao grande sábio.

A sua ordem em resposta foi imediata:

— Reúnam os botânicos! Imediatamente!

Elisa fora levada por um bando de pessoas. Acho que eu podia confiar nelas, porque Gael viu a irmã sumindo com eles e não surtou.

A população foi reunida e um comunicado oficial anunciou as novidades. Logo uma festa estava sendo preparada em despedida ao grande sábio e em boas-vindas aos tempos de paz.

Alguns caçadores retornaram ao lar. Nenhum deles falou comigo. Estavam se acostumando à nova ideia de não mais me ver como um adversário. Interessante. Eu também estava tentando fazer a mesma coisa em relação a eles.

Nós chegamos àquele mundo sobre as águas do mar, mas a saída era um lugar diferente. Eles também tinham cachoeiras e uma delas era mais do que especial.

Em uma queda d'água de tamanho invejável, como que saindo do meio das águas, uma rocha em forma de rosa-dos-ventos emergia como se tivesse sido esculpida pela própria água. Aquele era o grande guardião, que vivia entrelaçado ao portal de forma intrínseca.

Aquela era a porta que levava ao mundo exterior, você só precisava de uma cachoeira para te receber do lado de lá. Uma porta aqui, infinitas lá.

— Foi um prazer servi-los aqui. — com uma mesura, o grande sábio se despediu de todos. — É chegado o meu tempo de servir sob nova forma.

E assim, a coruja ganhou os ares e pousou sobre a escultura da rosa. O animal se petrificou imediatamente, de asas abertas para o seu povo. O chão tremeu. Os meus órgãos vibraram em resposta à magia transmutada ali. O céu lampejou num brilho ofuscante. O sábio agora fazia parte do portal, assim como eu. Assim como os demais sábios. O portal fora fortificado. Duas magias em união. Sábio e guardião.

Um silêncio respeitoso se instalou frente ao grande sacrifício. Todos observavam a nova escultura, viva, que um dia respirara e tivera um coração pulsante. Uma rocha sólida que agora era a garantia de proteção. O dia em que o filtro de sabedoria fora criado seria lembrado, contado de geração em geração.

O ancião entregou a sua vida para assegurar a segurança daquele mundo. O passado ficaria apenas no passado. Só alguém com magia no coração poderia cruzar a fronteira entre as realidades.

Era hora de voltar para casa.

Era hora de voltar para casa

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Olá de novo!

Está acabando! Últimos capítulos essa semana! Bjos e vejo vocês na quarta.


Doce Pecado | 1Onde histórias criam vida. Descubra agora