Tudo é culpa de James

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Carla entrou no quarto enquanto ainda estávamos dormindo, escancarou as janelas e abriu as cortinas gritando: "Hoje é um dia especial, meus amores! Nós vamos acampar! Acordem! O dia está lindo!" Eu mal pude abrir os olhos e me ceguei com aquela claridade, fiz uma careta e desviei o rosto da luz. Enquanto James grunhia reclamando que não queria levantar, eu fiquei sentada na cama por alguns estantes tentando me lembrar do sonho que tive com ele. Nós estávamos em um ilha deserta, ele vestia apenas um calção rasgado, como se tivesse sobrevivido a um naufrágio e eu usava um vestido, que estava um trapo. Eu estava encostada em uma palmeira em frente ao mar e ele se aproximou, me envolveu em seus braços, que estavam molhados e bronzeados. Depois, houve um clarão e eu acordei. Esse sonho me lembrava uma cena de "the blue lagoon". Decidi largar o livro depois disso.
Consegui arrumar minhas coisas bem rápido e fui tomar café com o resto da família. Quando cheguei à cozinha, todos estavam lá, menos James. Carla fez uma cara de desgosto ao ver que eu descera sozinha. Então, ela se levantou rapidamente e gritou da escada: " Ande, James! Por que você sempre faz isso! Parece que não gosta de ficar com sua família!" Da mesa eu pude ouvir uns grunhidos vindos do andar de cima e passos pesados descendo a escada. Quando James finalmente apareceu na cozinha parecia que ele havia passado a noite em claro, o que, na verdade, ele havia feito. Seu rosto estava inchado, seus cabelos extremamente bagunçados e ele tinha olheiras abaixo dos olhos. Carla viu o estado de seu filho e disse: " Meu Deus! Você passou a noite jogando videogame, não é mesmo?! Suba, tome um banho e só venha tomar café quando estiver pronto para sairmos!" Aquilo pareceu um pouco cruel: adiar a refeição de seu filho, que provavelmente estava morrendo de fome, mas James não hesitou, subiu imediatamente e foi se arrumar.
Até o café da manhã era de dar água na boca. Eu comi panquecas com mel, vitamina de morango com chantilly e ovos mexidos suculentos. Como você deve saber, o café da manhã dos norte-americanos é muito mais pesado do que o brasileiro. Eu, que não estava nem um pouco acostumada com toda aquela comida logo após acordar, senti meu estômago dilatar e imaginei que faria somente mais uma refeição neste dia. Após o café, nos sentamos no sofá da sala de estar e ficamos esperando por James.
Em questão de minutos ele já tinha se arrumado, descido as escadas e tomado café- o que para mim levaria, no mínimo, uma hora. Mesmo assim, Carla já estava pirando. Quando ela estava prestes a se levantar e nos levar sem ele, James apareceu ofegante e angustiado na porta de casa. Estava mais do que claro que ele havia tomado um banho: sua aparência estava muito melhor e exalava um cheiro familiar...Era o cheiro dos meus sonhos: uma aroma marítimo e fresco. "Ah não, não, não! Por que ele sempre me lembra aquele livro estúpido? Ele deve estar usando algum perfume do pai só para parecer que tomou banho. Só pode ser isso...", pensei comigo mesma. Carla falou em um tom raivoso: " Olha só! Meu ogrinho finalmente apareceu! Vamos antes que o congestionamento comece." Assim, entramos na "mini-van" da família e saímos rumo a Monterey.
Estávamos levando uma quantidade incontável de coisas- guarda-sóis, cadeiras de acampamento, sacos de dormir, barracas, cobertores, comida, repelente, claro, e etc- que, após muitos empurrões e socos de William, couberam na mini-van. Pela quantidade de utensílios, percebi que ficaríamos bem isolados da urbanização, o que, por um lado, me agradava-nada de barulho ou video- games irritantes- e, por outro, me aterrorizava. O que aconteceria se nos perdêssemos ou alguém se machucasse? Duvido que alguma ambulância nos encontraria no meio do mato. Além disso, o local do acampamento ficava numa cidadezinha- Carmel- a cinco horas, 318 milhas, de Los Angeles. Tentei afastar os pensamentos negativos observando as dunas de areia e o mar desaparecendo pouco a pouco, enquanto entrávamos na rota 101.
Levei poucas coisas para me distrair na viagem, achei que a vista seria uma grande distração, mas após três horas na estrada, tirar fotos de morros se tornou uma coisa extremamente monótona. Emily estava sentada em sua cadeirinha, no assento da janela direita, eu no canto esquerdo, infelizmente, ao lado de James que estava no meio. Ele ficava jogando em seu DS Xl incansavelmente, não sei como ele não ficava tonto ao jogar aquilo no carro. Saímos de Malibu às 9:30, então já eram 12:30, o que explicava os gritos de Emily implorando por comida. Meu estômago e o de James roncavam audivelmente, isso o fez rir, eu revirei os olhos. Carla abriu um recipiente cheio de sanduíches de presunto que ela preparara na noite anterior e os distribuiu entre nós. Ela também nos serviu caixinhas de suco de uva que, com James ao meu lado não parecia uma boa ideia. E definitivamente não foi uma boa ideia. Ao invés de sacudir a caixinha com o lacre fechado ou com um minúsculo furo para a entrada do ar, James furou o lacre e o sacudiu. Gotas rochas voaram pelo carro e atingiram a todos, mas eu fui a maior vítima. Minha calça legging , que originalmente era bege, foi tingida de roxo vivo, a nova moda "a la James". Ele implorou por desculpas enquanto tentava conter uma risada. Por fim, ele começou a gargalhar e sua mãe viu a lambança que ele tinha feito e o fitou com um olhar severo que se desfez em questão de segundos. Todos começaram a rir e eu fiquei vermelha como um tomate tentando parecer tranquila com a situação. Aquilo só me fez ter mais raiva de James e sua estupidez, mas eu queria causar uma boa impressão para a família e me deixei levar pelo momento de descontração e acabei gargalhando de mim mesma.
Depois de duas horas com uma calça grudenta e molhada, ao lado de James fazendo piadas sobre Resident Evil, entrar no "paraíso dos mosquitos" parecia uma opção muito agradável. William estacionou ao lado da entrada para uma clareira, onde havia algumas barracas espalhadas pelo amplo espaço aberto. Não muito longe dali, havia uma enorme serra que se estendia horizontalmente, formando uma grande barreira rochosa, nos separando do mar. Era um cenário muito agradável, com cheiro de pinheiros e uma brisa fresca. William adentrou a clareira e escolheu um local próximo às arvores, protegido do sol. Assim, levamos todos os utensílios de sobrevivência para o local escolhido e começamos a montar as barracas. Infelizmente, havia somente duas, o que significava que eu dormiria com James. Isso me fazia imaginar como sua irmã o aguentava, ter que dividir o quarto e ainda por cima dormir com ele. Deveria ser estressante, não é a toa que foi para o Brasil.
Consegui ficar sozinha por alguns minutos e troquei de roupa. Tirei a calça ensopada e coloquei uma legging mais comprida , grossa e de um tom mais escuro que a outra, vesti uma regata branca fina e, por cima, coloquei um casaco de couro um pouco mais escuro que a legging e calcei meu tênis de trekking. Quando saí, James estava se equipando com cordas de escalada, ganchos e uma mochila, para deixar meu dia ainda melhor, Carla, que estava ao lado dele me disse: " Querida, você se importaria de ir com James? Sei que ele já é grande, mas, você sabe, ele só tem tamanho e essas montanhas são perigosas para se andar sozinho." James fez uma cara de desgosto e replicou: " Caramba, mãe! Eu sei me cuidar." Ela respondeu: " E eu sei fazer mágica." Então olhou para mim esperando uma resposta. Consegui dizer:" Claro! Será divertido!" Mas estava pensando: " Será ótimo subir uma montanha com um idiota irresponsável! O que poderia ser pior?!" James ficou desconfortável e irritado com a situação, obviamente ele queria ir sozinho. Ou simplesmente fazer algo sozinho, ele não aparentava ser um adolescente que tinha a confiança dos pais. William nos levou de carro até um local mais próximo de uma montanha relativamente menor que as outras e, com um aceno de cabeça ele disse: " Se cuidem, não façam nenhuma besteira. Esperamos vocês para o jantar." Depois disso, começamos a subir a montanha.
James parecia ser ótimo em trilhas e que já tinha passado por aquele local inúmeras vezes, perguntei a ele se sabia onde estavámos indo e ele sempre afirmava com confiança. Fato que me deixava desconfiada, ele não transparecia ter tanta certeza do que estava fazendo. Seguimos a maior parte do trajeto sem dar uma palavra se quer, ele caminhava a minha frente e eu o seguia como uma guarda costas. Eu podia sentir a pressão atmosférica diminuindo, o que fazia meus ouvidos zumbirem, estávamos de frente para uma descida perigosamente íngreme e alta, o topo da montanha a qual subimos. Ela formava um pequeno vale com outra montanha menor do lado oposto. Após admirar a paisagem como um bom observador que ele não era, James continuou a andar. Caminhávamos numa estradinha de terra que deveria ter 30 centímetros de largura, a distância que nos separava da queda de no mínimo 10 metros. Então, tudo que eu temia aconteceu. Pisei em falso, ou tropecei em algo, honestamente não me lembro, e comecei a deslizar para baixo. Foi uma queda horrível, eu podia sentir meus braços sendo arranhados pela rocha e pela terra acumulada e meu rosto sendo esticado pelo vento. De repente, um vulto marrom, uma raiz ou um tronco, bateu na minha testa e tudo escureceu.

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