A Companhia

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Ele está sentado em frente ao balcão, ela está sentada ao seu lado direito, quase que cotovelo a cotovelo, onde ela assiste catatônica ao telão a sua frente, e ele ouve música em seu fone. Tudo é muito rústico, pesado e resistente, mesmo que composto dos polímeros e metais mais sofisticados, feito para durar para sempre, ainda que por eventualidade tudo seja reciclável. Ambos têm a disposição toda música, filme, jogos, ou qualquer outra forma de entretenimento digital já criado até então, filtrado de acordo com suas personalidades. Ela prefere ver desenhos animados no telão, remasterizações do século XX, já ele ouve música em seu fone, uma banda dos meados do século XXI que misturava o instrumental Cyberpunk com temas de terror, suspense ou melancolia, um gênero que já era ultrapassado em sua época, mas totalmente contextualizado.

A música está baixa, apenas ambientando a ocasião, e o fone na opção de menor isolamento acústico, sendo assim ele a observa de canto de olho, mastigando, podendo ouvir cada som, desde a passada de língua entre os dentes, até o fôlego espontâneo ao abrir a boca a cada mordida. Algo que normalmente seria incômodo, a ele é admirável, pois ela está se alimentando, está confortável, está segura.

Não há como saber quanto tempo já passaram juntos, mas ele ainda não sabe seu nome. Foram condicionados a respeitar o SOS, confiar plenamente, nada deve ser dito sem seu alvará, já que excesso de comunicação em situações de isolamento podem causar discórdia. SOS sabe o que eles pensam a todo instante, compara-os e avalia se suas intenções de interação são compatíveis, porém SOS não possui a capacidade de escrever em suas mentes, apenas a de ler, portanto sua avaliação é passada verbalmente, limitado a apenas duas palavras.
Ele olha para ela enquanto ela permanece olhando para o telão, ele toma fôlego, mas antes mesmo que pudesse organizar as palavras em sua mente, uma voz os informam:

SOS: - Incompatível.

Imediatamente ela olha para ele, engolindo a comida em sua boca, onde seu olhar de expressões ilegíveis o constrange. Da mesma forma, levemente ela toma fôlego, chegando a abrir parcialmente os lábios, e novamente a voz os informam:

SOS: - Compatível.

Ele aguarda, e aguarda, até ela fechar os lábios e voltar a mastigar olhando para o telão.

A ele não faz sentido. Ele estava aberto a ouvir, seja lá o que fosse que ela iria dizer, e ambos sabiam disso.
Novamente ele toma fôlego, mas dessa vez é surpreendido:

SOS: - Compatível.

Ele trava por um instante, quase que aliviado, enquanto novamente ela o olha. Tomando coragem, ele diz o que estava pensando:

Viajante: - Posso te fazer uma pergunta?

Ela apenas sorri, e continua olhando para ele em aparente expectativa. Dessa vez ele toma um fôlego bem maior, mas é interrompido:

SOS: - Incompatível.

Seu fôlego se esvai, mesmo assim ele se esforça para pensar em outra pergunta, enquanto ela aguarda apenas com o olhar:

Viajante: - É...

SOS: - Incompatível.

Viajante: - ...

SOS: - Incompatível.

Eles se olham por um momento, até que a desmotivação o faz se levantar, deixando seu prato pela metade, onde o balcão se abre parcialmente em uma plataforma, levando sua refeição inacabada para seu interior.

Aborrecido, subindo as escadas ele atravessa o estreito corredor, onde a gravidade o deixa à altura do centro junto ao suporte de vida, indo em direção a outra sessão, inversamente idêntica a anterior. A música o irrita, mas não quer tirar o fone, SOS então muda o tema para sons ambiente, tempestade de vento sob florestas gélidas, e aumenta o isolamento acústico do fone ao máximo. Ele toma seu banho, se deita em sua cama, mas não consegue dormir.

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⏰ Última atualização: May 23, 2018 ⏰

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