Capítulo XXVI

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Ao abrir a porta do apartamento, Richard mal pode acreditar que era ela, seus cabelos cor de fogo caiam livres e desavergonhados no colo alvo, seu semblante trazia agora um ar leve e descansado, tão diferente da face chorosa que ele havia deixado para trás meses antes. Susan ao vê-lo, foi tomada pela surpresa: o homem de olhos tristes e andar encurvado, não lembrava em nada aquele rapaz de riso frouxo e malandro que a cada encontro fazia ela se apaixonar novamente. Que piada cruel a vida havia lhes pregado, que caminhos tortuosos ambos tiveram que traçar para chegarem aquele exato momento no tempo, frente a frente, desvelados, por completo, um para o outro.

- eu não esperava que algum dia fosse te ver novamente. Você está... está tão radiante, tão... tão bonita. – ele não conseguia olhar nos olhos dela, por isso, timidamente ele encarava o chão de mogno.

- Obrigada, Richard. Eu vim porque... Kate me contou o que aconteceu e eu... eu precisava saber como você estava.

Ao ouvir as palavras de Susan, toda a dor que Richard estava escondendo do mundo veio à tona na forma de grossas lágrimas que lhe impediam a fala. Ele nunca esteve tão desarmado e vulnerável perto de alguém antes, e vê-lo desta forma, partiu o coração de Susan em milhares de pedaços. O Richard que ela conhecia jamais se despiria de sua armadura dessa forma, jamais abaixaria a guarda como ele estava fazendo naquele momento, e ela não pode evitar o pensamento que lhe cercava a mente: "que transformações profundas a dor pode nos trazer."

Ela o abraçou e gentilmente o conduziu até o sofá, onde permaneceram sentados, em silêncio, por um tempo que Susan já não sabia definir, apenas o barulho do choro descompensado de Richard inundava a sala. Quando enfim encontrou forças para formar uma frase, o que Richard disse trouxe ainda mais pesar ao cenário em que se encontravam.

- Eu iria ser pai, Susan. Eu acreditei que iria ser pai e esse foi o meu alento durante todos esses meses. Mas era mentira, até isso ela levou de mim. Ela levou meus sonhos, minhas esperanças... ela levou você! – dito isso, o silêncio profundo novamente encontrou seu lugar entre os dois, mas não era um silêncio constrangedor, longe disso: era um silêncio necessário, e ambos sabiam.

Quando enfim as lágrimas pararam de correr pelo rosto dele, Susan sabia que era o momento de falar o que precisava ser dito, de começar a construir o ponto final que ambos necessitavam.

- Por que Richard? Por que você não me contou sobre a chantagem? Nossa história poderia acabar de uma forma tão diferente...

-Eu não podia, não podia. Ela entregaria as fitas à imprensa e te destruiria. Eu não poderia permitir que ela te fizesse sofrer dessa forma.

- Mas ela me fez sofrer, Rich. Tanto que só a lembrança é o suficiente para trazer a dor como se eu estivesse vivendo tudo novamente. – Lágrimas começavam a se formar nos seus olhos- Eu estive miserável por meses, Richard. Eu não vivi durante meses, me perguntando onde eu havia errado, como eu poderia ter me enganado tanto assim com uma pessoa.

- Eu só queria te proteger, Susan. Eu só queria proteger a coisa mais valiosa que eu já tive na minha vida, e eu fracassei. Eu caí em uma teia que ela tramou cuidadosamente, e eu nunca vou me perdoar, nunca! Mas eu acreditava desde o início que eu resolveria toda a situação, que eu te teria de volta. Eu acreditava que era apenas uma questão de tempo até eu destruir cada prova que a Amy pudesse ter.

- Eu passei meses me culpando, meses te culpando, Richard, quando nenhum de nós tinha a culpa. Meu Deus, eu precisei ir à África para te esquecer! - ao terminar a sentença, em um rompante, ela se levantou. Em sua mente, Susan tentava entender como haviam chegado aquele ponto, por que a felicidade para os dois era algo tão proibido.

Richard levantou-se junto com ela, deu dois passos em sua direção, estando agora há alguns centímetros de distância dela.

- E você conseguiu, Susan? Conseguiu me esquecer?

- Sim! – ela responde encarando o chão, em um fio de voz reproduzido com muito esforço.

-Então fala isso olhando nos meus olhos! Olha agora nos meus olhos e fala que eu pertenço ao teu passado, Susan. Fala agora que não tem lugar para mim no teu futuro, que não tem lugar para nós no teu futuro.

Ela ergue a cabeça até que seus olhos encontram os dele, ela abre a boca, contudo a voz lhe falha. Ela é incapaz de dizer uma palavra sequer e permanece ali, entorpecida pelos olhos dele. Nesse instante, sem pensar duas vezes, Richard lhe toma os lábios, e as bocas saudosas se encontram para o beijo que seus corpos clamavam há tanto tempo. Susan não relutou, sem forças apenas permitiu-se estar entregue aquele momento. A dança frenética de suas línguas denunciava uma saudade sem fim, uma necessidade de completude que se via sanada naquele exato instante. Foi só quando o ar lhes faltava ao pulmão que aquelas duas bocas amantes se permitiram a separação. Susan encostou sua testa no peito dele, buscando o folego perdido, para poder formar palavras.

- Eu te amo, Richard. É verdade, eu ainda te amo e sei, dentro de mim, que vou te amar para sempre. Mas a vida já nos deu provas mais do que suficientes que nós dois não fomos feitos para estar juntos, que esse é um amor que devemos sentir em distância.

Ela virou as costas e começou a andar em direção a porta, sem coragem de olhar para trás, sem coragem de encará-lo uma vez mais, na certeza de que se ela se permitisse mais um único olhar para ele, ela mesma esqueceria do sentido em suas palavras. Há poucos centímetros de alcançar a saída, ela sentiu o seu corpo ser envolto por um par de braços fortes e involuntariamente virou-se na direção deles.

-Enquanto houver um fio de vida em mim, eu vou lutar por esse amor, por você, para estar do seu lado.

Richard, então, lhe roubou outro beijo, e como sua mente havia previsto instante antes, ela se entregou completamente aos braços dele. O beijo, que começou como uma manifestação simples e despretensiosa de amor, foi mais uma vez se tornando o encontro de dois corpos insaciavelmente saudosos um do outro. Os lábios dele agora percorriam o pescoço dela, descendo para o colo, enquanto suas mãos se encarregavam de abrir lenta e torturantemente o fecho do macacão de seda. Ela, por sua vez, desceu as mãos pela a extensão do corpo que ela conhecia tão bem, rasgando, sem inibições ou rodeios, os botões da camisa de algodão listrada que ele usava. Ao encarar o peito nu, ela não pode conter um sorriso afetado ao morder os lábios. Ele encarregou-se de livra-la por completo do macacão e deitou-a sobre o tapete felpudo da sala de estar. De joelhos, encarou a imagem a sua frente com a intensidade de quem é apresentado a Monalisa pela primeira vez, seus olhos estáticos e cheios de descrença.

- Você é perfeita, Susan. Desde as ondas cor de fogo dos teus cabelos, passando pelos teus braços sedosos que sempre respondem a cada um dos meus toques, os teus seios que foram feitos para completarem exatamente o formato das minhas mãos, até chegar nas tuas pernas que foram esculpidas a mão. Tudo em você é um reflexo da perfeição divina.

Os dois se amaram, no tapete felpudo da sala de estar, lentamente. Sem pressa, sem ânsia, sem pretensões, senão a necessidade de serem um do outro naquele exato momento. Não eram apenas corpos completando-se, mas almas que ao darem as mãos encontravam o sentido de suas existências. Os gritos que ambos emitiram, ao atingirem o ponto máximo de prazer, foram selados com outro beijo, leve e demorado. Seus corpos, agora cansados da dança que traçaram por horas em comunhão, encontravam-se lado a lado no mesmo tapete onde haviam iniciado o ato, não sentiam a necessidade de mover-se dali.

Susan aninhou seu corpo ao dele e recostou a cabeça em seu peito, brincando com os pelos do peito do amado. Ambos sabiam que estavam onde deveriam estar. Ambos haviam entendido que não há certezas sobre o amanhã, que o futuro não pode ser previsto. Ambos decidiram viver o hoje que lhes foi dado, e viver cada hoje que puderem viver um com o outro.

-Richard – Susan voltou a cabeça na direção do rosto dele- eu espero que possamos, um ao lado do outro, ver muitas folhas caírem, e tantas outras renascerem nessa troca de estações constante que é a vida.


FIM

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