Lica

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Eu não gostava daquela situação. 

Ouvi os murmúrios de reclamação, senti vários toques diferentes de pessoas tentando se localizar e se acomodar novamente - como se a falta de luz fosse mudar alguma coisa no espaço - e até mesmo um grito a favor da privatização do metrô eu consegui ouvir.

Eu fechei os olhos, aproveitando que não enxergaria nada mesmo com eles abertos, encostei minha cabeça no meu próprio braço estendido e respirei fundo algumas vezes. Eu não tinha medo de escuro nem mesmo de lugar fechados, mas tinha memórias suficientes atreladas a situação para que "confortável" não fosse a palavra que eu fosse escolher para descrever como eu estava me sentindo no momento.

Me lembrei, minutos depois, de que de certa maneira eu estava acompanhada. Não conseguia ver Samantha na minha frente porque não havia um celular apontando na nossa direção e ela havia se mantido quieta desde que as luzes se apagaram. Da última vez que isso aconteceu eu era a pessoa mais calma na situação e isso não era muito bom porque eu não estava calma de verdade.

-Samantha. - Eu chamei e ela não disse nada. - Samantha. - Eu chamei novamente e tirei meu telefone do bolso para projetar a luz no seu rosto. Ela recuou um pouco por causa da luz e eu pedi desculpas. - Tá tudo bem? - Ela ergueu a cabeça novamente e forçou um sorriso, mas isso já era uma resposta negativa. - Fica suave - Eu disse tentando soar o mais natural possível. - Isso acontece o tempo todo.

-Você tá suave?

-Depende. - Eu disse procurando uma piada para desviar do assunto, eu era uma problematizadora nata, era horrível em acalmar as pessoas. - Você está grávida? - Ela balançou negativamente e se permitiu rir.- Então, eu tô. - Eu continuei analisando o seu rosto e tentando manter a luz entre a gente de modo confortável e não intimidador. Eu sabia que ela não estava bem, mas ainda não sabia o quanto ela não estava bem e nem porque. - Quer conversar?

Não sentir que a situação era tão ruim, não me impedia de entender que poderia ser para alguns e eu não queria que ela se sentisse mal. Ela ficou em silêncio e respirou fundo algumas vezes. Rezei para que ela não tivesse um ataque de pânico porque eu não seria de grande ajuda caso isso acontecesse.

-Eu tô com medo, Heloísa.

Percebi como eu queria que ela me chamasse de Lica.

-Você tem medo de escuro? - Eu perguntei quase que em um sussurro.

-Eu tenho claustrofobia.

Eu assenti lentamente. E só assenti porque eu não sabia o que dizer em resposta. Eu não conseguia ter certeza de que nenhuma das frases que vinham a minha cabeça seriam tranquilizadoras estando trancadas no metrô como nós estávamos.

De repente, eu comecei a criar várias realidades diferentes em que várias coisas aconteciam com a Samantha e fiquei muito preocupada com todas elas. Não era como se nós tivéssemos nos conhecido nos dez minutos anteriores quando sentamos naquele banco, mas também não era como se nós fossemos muito próximas. Era quase um paradoxo o quanto eu me preocupava com a Samantha naquele momento.

-O que o astronauta e a sereia tem a ver com a frase? - Ela mesma perguntou. Seus olhos estavam fechados e suas mãos estavam segurando na barra do vagão com tanta força que os nós dos seus dedos estavam mais pálidos que eu.

Com certeza não era a primeira vez que ela beirava uma crise e provavelmente conversar lhe ajudava, logo, eu tentaria fazer isso por ela.

-Porque eles têm muito medo de ficarem juntos. - Eu disse e fechei meus olhos também porque queria estar exatamente no mesmo momento que ela. Queria entender o máximo que pudesse para poder ajudar. E também porque fiz aquele desenho sentada no metrô pensando em como nós duas sempre estávamos em lados opostos no vagão. Mas ela não sabia de nada disso. - E mais medo ainda de não conseguirem ficar juntos. Entre eles não existe força nenhuma que os limite, só existe força de atração. Por eles, eles ficariam juntos de sempre para sempre e não se importam nem um pouco com como o mundo de um mataria o outro. Mas as forças externas os mantém sempre afastados, sempre há um espaço entre eles...

A Garota Do Vagão | LIMANTHAOnde histórias criam vida. Descubra agora