Heloísa

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-Samantha? - Eu perguntei.

Era a segunda vez que eu dizia o seu nome e ela continuava me encarando com uma expressão um pouco chocada. Seus olhos castanhos me miravam contra a luz do metrô e a sua boca estava entreaberta e se não fosse a situação eu poderia jurar que ela estava prestes a beijar alguém.

Eu não podia culpá-la pela expressão no seu rosto, eu sabia que uma porcentagem considerável da escola me considerava intimidante ou perigosa - e eu achava isso engraçado até certo ponto - e o tom de voz com que eu havia dito "isso é meu" parecia muito mais com "você me roubou". Não era isso que eu achava que havia acontecido.

-P-perdão. - Ela disse um pouco nervosa e balançou a cabeça enquanto fechava o sketchbook. Ela realmente estava nervosa, nervosa o bastante para que seus dedos deslizassem pela capa de couro do meu caderno e continuasse passando até que ele mesmo deslizasse e caísse ao chão. - Caramba. - Eu deixei uma risada leve escapar. - Desculpa mesmo.

Eu estava rindo porque aquela não era a Samantha, certo?

Eu tinha uma fama no colégio, muito mal sustentada, e Samantha também tinha. Samantha era a nossa Regina George e eu assisti Meninas Malvadas simplesmente para poder entender todas as referências que faziam com ela o tempo todo. Samantha andava pelo colégio e a cada passo seu no corredor era como se a luz entrasse no prédio. Samantha não poderia ficar nervosa perto de mim porque Samantha não poderia ficar nervosa perto de ninguém.

-Sem problemas. - Eu me forcei a dizer. - Sem problemas.

Ela se agachou e pegou o caderno no chão do vagão, o erguendo na minha direção. Eu demorei um tempo para me mexer e pegar o caderno porque eu gostava de como ela estava olhando para mim agora.

Eu e Samantha pegávamos aquele metrô todos os dias e algumas vezes até duas vezes no dia, mas nunca conversávamos. É óbvio que já havíamos trocado olhares e de algum modo nem eu mesma sabia o que aqueles olhares significavam, eu sempre preferi pensar que não significavam nada da parte dela. Eu já estive sob outros olhares que não eram os de "bom dia" ou "boa noite" entre a gente no metrô, já estive sob o olhar faminto de Samantha Lambertini em festas. Já senti na pele o fogo que um olhar da Samantha poderia causar em alguém, mas tinha certeza que ela escondia esses feitos atrás da desculpa do álcool e, logo, eu o faria também.

Eu imaginava que eu e Samantha poderíamos ter uma conversa longa um dia, que poderíamos conversar muito sobre como nossas famas eram maior que nós mesmas. Éramos como sub-celebridades na Vila Mariana e eu não tenho muito o que reclamar, realmente fiz por onde e Samantha tirava muitos beijos da sua fama. Mas as nossas famas atrapalhavam um pouco, as vezes. A minha fama sempre era ouvida antes mesmo de eu abrir a boca, qualquer coisa ou era creditada demais ou completamente desacreditada porque eu era eu.

E a fama da Samantha nunca deixava eu me aproximar dela. Eu nunca saberia se ela estava realmente bêbada, ou não, nas vezes em que ousou falar comigo. Nunca saberia porque eu era a única pessoa da sala que ela ainda não havia tentado pegar sobriamente e nunca teria como descobrir se o que todos diziam sobre nós era verdade. Nunca saberia se seríamos mesmo o casal do ano se um dia nos juntássemos. E nunca saberia se eu queria que fosse assim.

Tinha muito medo que a Samantha não fosse mais do que falavam sobre ela, havia a parte sensacional que diziam sobre ela, mas também havia parte que a colocavam o rótulo de destruidora de corações e quem sabe relacionamentos. Eu não conseguia relacionar nada disso com a menina que eu via no metrô, que me cumprimentava e resgatava meus cadernos de desenho. Mas nem tudo está à vista.

Naquele momento ela não estava me desejando, ela estava olhando para mim como olhava para todas as outras pessoas da sala quando estávamos rindo de uma das piadas do MB. Eu era apenas uma colega de classe - e dentro da classe quando ela não queria pegar ninguém porque os estudos vêm em primeiro lugar. E eu gostava daquele olhar porque eu nunca recebia ele, mas agora eu poderia usar dele para conversar com ela. Conversar como boas colegas de classe.

A Garota Do Vagão | LIMANTHAOnde histórias criam vida. Descubra agora