Shawn subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde.
Nick o esperava encostado a uma árvore. Esguio e magro, metido num largo blusão azul-marinho, cabelos crescidos e desalinhados, tinham um jeito jovial de estudante.- Meu querido Shawn.
Ele encarou-o, sério. E olhou para os próprios sapatos.- Veja que lama. Só mesmo você inventaria um encontro num lugar destes. Que idéia, Nicholas, que idéia! Tive que descer do taxi lá longe, jamais ele chegaria aqui em cima.
Nick sorriu entre malicioso e ingênuo.
- Jamais, não é? Pensei que viesse vestido esportivamente e agora me aparece nessa elegância...Quando você andava comigo, usava uns sapatões de sete-léguas, lembra?- Foi para falar sobre isso que você me fez subir até aqui? - perguntou Shawn, guardando as luvas na bolsa. Tirou um cigarro. - Hem?!
- Ah, Shawn... - e ele tomou-o pelo braço rindo.
- Você está um coiso de lindo. E fuma agora uns cigarrinhos pilantras, azul e dourado...Juro que eu tinha que ver uma vez toda essa beleza, sentir esse perfume. Então fiz mal?- Podia ter escolhido um outro lugar, não? - Abrandara a voz - E que é isso aí? Um cemitério?
Nick voltou-se para o velho muro arruinado. Indicou com o olhar o portão de ferro, carcomido pela ferrugem.
- Cemitério abandonado, meu anjo. Vivos e mortos, desertaram todos. Nem os fantasmas sobraram, olha aí como as criancinhas brincam sem medo - acrescentou, lançando um olhar às crianças rodando na sua ciranda. Shawn tragou lentamente. Soprou a fumaça na cara do companheiro. Sorriu.
- Nick e suas idéias. E agora? Qual é o programa?
Brandamente Nick o tomou pela cintura.
- Conheço bem tudo isso, minha gente está enterrada aí. Vamos entrar um instante e te mostrarei o pôr do sol mais lindo do mundo.Perplexo, Shawn encarou-o um instante. E vergou a cabeça para trás numa risada.
- Ver o pôr do sol!...Ah, meu Deus...Fabuloso, fabuloso!...Me implora um último encontro, me atormenta dias seguidos, me faz vir de longe para esta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma! E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério...Nick riu também, afetando encabulamento como um menino pilhado em falta.
-Shawn meu querido, não faça assim comigo. Você sabe que eu gostaria era de te levar ao meu apartamento, mas fiquei mais pobre ainda, como se isso fosse possível. Moro agora numa pensão horrenda, a dona é uma Medusa que vive espiando pelo buraco da fechadura...
- E você acha que eu iria?
- Não se zangue, sei que não iria, você está sendo fidelíssimo. Então pensei, se pudéssemos conversar um instante numa rua afastada...- disse ele, aproximando-se mais. Acariciou-lhe o braço com as pontas dos dedos. Ficou sério. E aos poucos, inúmeras rugazinhas foram se formando em redor dos seus olhos ligeiramente apertados. Os leques de rugas se aprofundaram numa expressão astuta. Não era nesse instante tão jovem como aparentava. Mas logo sorriu e a rede de rugas desapareceu sem deixar vestígio. Voltou-lhe novamente o ar inexperiente e meio desatento -Você fez bem em vir.
- Quer dizer que o programa... E não podíamos tomar alguma coisa num bar?
- Estou sem dinheiro, meu anjo, vê se entende.
- Mas eu pago.
- Com o dinheiro dele? Prefiro beber formicida. Escolhi este passeio porque é de graça e muito decente, não pode haver passeio mais decente, não concorda comigo? Até romântico.
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Venha Ver o Pôr-do-Sol (Adaptado) [SHAWNICK]
FantasiShawn subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. Adaptação de "Venha Ver o Pôr-do-Sol" da escritora Brasileira Lygia Fagundes Telles. #8 em...