Céu Aberto

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Alguns sorrisos são na medida certa, outros são simplesmente para nos destabilizar. O dela era assim, quando ouvíamos aquelas músicas, quando nos tocávamos, quando fazíamos piadas, ou até mesmo quando precisávamos consolar o outro. Era seu olhar, seu sorriso, sua simplicidade e seu jeito tosco de estar sempre alegre.

- Jay, tá tendo uma espécie de festival lá embaixo, tá afim de chegar lá? - disse Max entrando de supetão no quarto.
- Não - respondi secamente.
- Sabe de um coisa? Não vai conseguir esquecer ela assim.
- Não quero esquecer, falou?
- Você é quem manda! - disse levantando as mãos pra cima.

O som da música eletrônica era ensurdecedor, principalmente porque eu não estava perto o suficiente, foi nesse momento que começou a dar errado, eu não sei porque desci, mas acredite em mim, se alguma coisa é pra dar errado, ela vai dar. Porque o carma trabalha com uma organização perfeitamente idota.

um mês antes

- Eu acho que devíamos viajar!
- O quê? - respondeu Fin. Ele e Max eram meus melhores amigos, depois de todo o ensino médio numa cidadezinha, acabamos por morar juntos numa cidade um pouco maior.
- É, Jay, não dá pra abandonar a faculdade e ir viajar simplesmente.
- Falta exatamente duas horas para entrarmos de férias.
- Beleza, quer ir pra onde?
- Laura quer ir numa espécie de festival, acho que vai ser uma boa.
- Não rola, nem fodendo. - disse Fin.
- Você - apontei pra ele - não quero sua opinião, porque te colocar naquele avião vai ser a coisa mais fácil desse mundo. Eu quero saber de você, Max, o que acha?
- Sou gamadão em música eletrônica e em garotas, é claro. Quando partimos?

hoje

A festa acontecia a céu aberto, era umas cem pessoas reunidas no pátio do hotel. Um palco pequeno acomodava um DJ famoso apenas na região. Avistei Max com duas garotas, eles estavam próximos a piscina, e confesso que me vi os empurrando para um banho gélido, mas muito emocionante. Do outro lado Fin estava com sua namorada, os dois estavam trocando uns amassos, cada um com um copo na mão, jamais vou saber o que tinha neles.
Foi naquele momento que eu avistei ela, Laura estava nos braços de um cara musculoso e nada convincente. Provavelmente ela me viu, porque deixou seus braços no mesmo instante indo buscar uma bebida. Eu fui atrás.

- Eu vou querer uma água com limão, por favor - Ouvi-la dizer.
Me aproximei no canto do bar, de forma que a única coisa que nos separasse fosse uma viga de madeira que sustentava o telhado de palha do bar. Era sofisticado, acredite.
- E o senhor? - perguntou o barman virado para mim. Ali, nesse momento, meu cérebro entrou em pane, estava olhando pra ela e para o garçom, ela olhava pra mim tentando disfarçar.
- Tequila! - soltei, como um suspiro, como uma respiração lenta e precisa.
- E aí, Jay! - disse, forçando um sorriso, diferente do qual estava acostumado.
Não respondi, acenei com a cabeça, é confesso que contando aqui, me pareceu um ato um tanto escroto. Peguei a o copo e fui embora. Eu tinha essas manias, de estragar as coisas perto dela, de perder as palavras, de perder a conexão, como em um jogo quando seu ping não colabora, eu sou o ping.

alguns dias atrás

- Não, você não tá entendendo, eu queria ir com ela. Se ela vai sem mim, não tem sentido algum em ir pra um lugar ver minha na... Ex-namorada com outro cara se divertindo à beça. Simplesmente não dá.
- Qualé, você fez a gente gastar uma grana alta pra esse show, a gente definitivamente não vai jogar esse dinheiro fora. - respondeu Max, ele estava mais preocupado em pegar mulheres do que com minha situação precária com Laura. Estávamos no nosso apartamento, era um lugar pequeno, mas grande o suficiente pra nós três, estávamos ali a quase dois anos, desde quando fomos aceitos na mesma faculdade. Olhei para Fin, esperando alguma posição.
- Eu não queria ir mesmo! - deu de ombros.
- Viu? São dois contra um.
- Jay, a gente vai! Quer você queira, ou não.

hoje

Aquela festa não podia ser pior, eu queria muito vazar dali. Teoricamente, foi o que eu fiz. Fiquei num canto próximo ao restaurante do hotel, havia algumas poucas pessoas lá dentro. Olhei para a recepção mais adiante, um cara segurava uma bolsa preta nas costas, parecia um hóspede comum. Parecia.

Era o terceiro copo de tequila, não avistei mais Laura no perímetro, então decidi que tudo bem ficar por perto do palco. Encontrei com alguns ex-colegas de ensino médio, conversei um pouco. Nunca fui muito sociável, me julguem. E sim, estava a procura de uma garota, por raiva talvez, não sei. Consegui alcançar duas meninas morenas, estavam com uma espécie de biquíni, mesmo que ninguém estivesse de fato na piscina, não estava frio, só acho que as pessoas acabaram por querer fazer outras coisas ao invés de nadar.

As garotas eram legais, me pediram o telefone e fizeram muitas piadas, uma delas insinuava constantemente a vontade de fazer sexo e por mais tentado que eu estivesse, não ia rolar.
Não sou assim, não transo por raiva. Quando comecei a me afastar, ouvi alguns gritos agudos vindo da direção do restaurante, olhei para as garotas mas elas já estavam correndo, todos estavam. Eu não conseguia ver, mas pude ouvir de leve os tiros. Soavam como um toque lento de piano. Algo brutalmente sensível. A música parou. Minha mente parou. E quando pensei em correr, como todos estavam fazendo, fui atropelado por dois caras gigantes, bati a cabeça em algo pontiagudo e apaguei.

Stay TogetherOnde histórias criam vida. Descubra agora