Voltou a si ao ouvir o som da porta se destravando e correu à procura de sua noiva.
Carlos abriu a porta preparado para presenciar a cena sanguinolenta do lado de fora do casarão. No entanto percebeu, estarrecido, que não havia nada além da noite calma. Não havia corpos. Não havia sangue. Não havia fogo. Como se todo aquele pavor, se os rituais e gritos, como se o sofrimento e morte daqueles que ali cercavam até minutos antes, não tivesse passado de mero pesadelo.
Sem parar para pensar no que poderia ter acontecido, continuou correndo desesperado, Margareth podia estava ali dentro, ele pensava, e n’um impulso saltou para dentro do poço.
A queda de oito metros foi interrompida por um encontro brusco contra o chão duro de terra batida. Uma dor lancinante subiu lhe a perna ao se chocar os pés contra o solo, como se tivessem enfiado uma agulha fina de seu calcanhar até a panturrilha. A dor o fez cair de joelhos.
Caiu no centro de uma gruta subterrânea, uma caverna ampla iluminada por tochas presas às paredes onde sombras e labaredas coreografavam um hediondo bale. O ar fétido era uma mistura sufocante de querosene e poeira. Carlos levou rapidamente a mão à boca para abafar o som e tossiu sentindo a garganta queimar. O pacote não estava mais ali. Nas paredes da gruta havia palavras e símbolos desconhecidos, os traços gastos pelo tempo indicavam terem sido feitos há décadas, séculos talvez, mas Carlos não perdeu tempo tentando decifrá-las. Sua perna doía, o forte odor de querosene fazia seus olhos e nariz arderem, e ele só pensava em Margareth.
Avistou uma fenda entre as rochas ao que revelou ser a entrada de um sinuoso corredor estreito, outras tochas o iluminavam precariamente por todo caminho até ser engolido por completa escuridão.
Percorreu o caminho com cautela. Apesar da incomoda sensação claustrofóbica o ar já não era tão carregado ali e Carlos pôde respirar sem dificuldade.
De repente ouviu um murmurinho de vozes que foi ficando cada vez mais alto a cada passo dado, até se transformar em um cântico enigmático, um coral de vozes extasiadas, uníssonas em oração à alguma divindade pagã. Não se podia precisar quantas pessoas eram. Dezenas de vozes unificadas n’um canto sombrio. Vozes de homens e de mulheres. Servos de uma seita não identificada por Carlos, e Margareth poderia estar entre eles, vítima daquela fé insana.
Com a coragem adquirida pelo recém-descoberto domínio da magia, ele adentrou pelo sombrio corredor, percorrendo-o agora a passos rápidos e sorrateiros, acompanhado pelo bailar cada vez mais agitado das chamas e sombras nas paredes estreitas.
O cântico foi ficando cada vez mais alto, mais próximo, e o coração de Carlos batia no mesmo compasso acelerado. Enfim avistou à frente luzes mais intensas clareando um espaço entre as paredes do corredor. Havia uma fenda, e dela se originava a cantoria.
Carlos aproximou-se sorrateiro, encostou o corpo contra a parede, paralelo à abertura na rocha e lentamente se moveu, só o rosto, tentando espiar com todo cuidado o que se passava do outro lado daquelas grossas paredes rochosas. Tentava ver quantas eram as pessoas ali, e principalmente, se Margareth estava entre eles.
Quando um grito de angústia lhe rasgou a garganta. Margareth estava ali, completamente nua, deitada e amarrada sobre uma pedra cerimonial, com dezenas de estranhos símbolos cabalísticos pintados em vermelho por todo seu corpo.
A cantoria cessou repentinamente e a atenção de todos os encapuzados se virou para Carlos. Rapidamente o cercaram. Mesmo encurralado, ele teve tempo de pegar uma tocha na parede e girando-a no ar tentou manter os encapuzados afastados, fazendo as labaredas chamuscarem os que tentavam agarrá-lo. Formou-se um círculo à sua volta como predadores ao redor da presa.