A Flor Azul

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            Eu acordei assustada, no meio da noite, sentindo uma dor tão forte que me fazia arquejar. Alguma coisa parecia estar muito errada...

Forcei a vista, desesperada, tentando ver na escuridão e uma mancha negra e ensopada se revelou no lençol, com um cheiro de ferro salgado que fez meu estômago revirar e minha cabeça rodar... Toquei a mancha, trêmula, já com lágrimas nos olhos, e as pontas de meus dedos voltaram ensanguentadas.

- Gendry! – sacudi-o com força, sem quase ouvir minha própria voz.

Ele sempre tivera o sono leve e se virou depressa pra mim.

- O que foi? – sua voz saiu preocupada.

- Chame o Meistre Alleras – choraminguei em pânico. – Eu estou sangrando...

Ele se levantou com um pulo e ainda mais rápido desapareceu pela porta do quarto, sem colocar seus chinelos, o gibão ou pegar uma vela para lhe iluminar o caminho. Eu permaneci imóvel, respirando lentamente, tentando conter meu nervosismo... Por mais que tentasse ser forte, eu sabia que um sangramento não podia significa algo bom...

Levei minha mão até minha barriga que estava pouco mais do que inchada. A dor tinha diminuído, mas eu ainda sentia pequenos espasmos que faziam novas lágrimas brotarem de meus olhos.

Gendry retornou ao quarto seguido pelo novo meistre da Fortaleza Vermelha, o jovem da Cidadela chamado Alleras, que tinha terminado de forjar os elos de sua corrente quando a Guerra Gelada ainda arrasava os Sete Reinos. Ele era alguns anos mais velho do que nós dois e tinha se mostrado muito competente em seus serviços.

- Minha rainha – ele se aproximou para me examinar e eu tornei a me deitar na cama enquanto ele tocava minha barriga.

Gendry ficou ao meu lado e atou sua mão à minha, com o olhar duro e apreensivo acompanhando os gestos do meistre com total atenção. Meus olhos também estavam fixos no trabalho de Alleras e eu procurava em sua expressão concentrada o que me fizesse sossegar meu coração.

- E então? – meu marido perguntou, impaciente, depois de algum tempo de silêncio.

- O bebê parece bem e estável agora – ele respondeu e eu respirei aliviada. O aperto da mão de Gendry também afrouxou. – Sangramentos são normais nos primeiros meses de gravidez – ele explicou serenamente, com sua voz sábia. – Mas é bom não nos descuidarmos agora que aconteceu. É melhor que milady descanse.

- Pode deixar – eu respondi, afagando carinhosamente minha barriga.

- Eu aconselharia repouso absoluto, pelo menos até completar sete semanas, minha rainha. E prometo que virei vê-la diariamente.

- Muito obrigada, meistre Alleras – eu lhe sorri e ele se levantou, também com um sorriso em seus lábios.

- Muito obrigado, Alleras – Gendry também se levantou e fechou a porta do quarto quando o meistre saiu. Seus olhos caíram sobre mim e ele voltou a se deitar ao meu lado, me puxando para seus braços, protetoramente. – Que susto que passamos... – sua voz soou extremamente aliviada e ele acariciou minha barriga.

- Eu tive tanto medo de perder nosso filho... – segurei sua mão bem firme sob as minhas, fechando os olhos e tentando me contagiar pelo seu alívio. Ainda sentia o nervosismo tremendo meu corpo. Ele beijou o topo de minha cabeça, carinhosamente.

- Bom, você ouviu o meistre, Arya! Repouso absoluto! Tem de me prometer que vai sossegar!

- Eu prometo! Tive tanto medo hoje que ficaria trancada aqui os próximos meses! – me apertei em seus braços, me aconchegando em seu peito.

- Você e nosso bebê são as coisas mais preciosas da minha vida! – ele sussurrou contra minha testa, me beijando com carinho e medo.

Segurei seu rosto com uma das mãos e uni nossos lábios. Eu me sentia tão pequena e indefesa naquele momento... Sempre pensara que conseguiria defender sempre meu filho de qualquer coisa, mas quase o perdera ainda dentro de meu próprio ventre... Aquilo tinha sido aterrorizante demais!

- Ainda bem que você estava aqui comigo, Gendry! Sem você, eu teria ainda mais medo! – ele beijou minha mão.

- Ainda bem que eu posso estar aqui ao seu lado, meu amor! Mesmo que eu não possa fazer nada, eu quero estar ao seu lado!

- Não diga que o que você faz não é nada! Você estar ao meu lado é o mais importante! Sansa me contou que o rei Robert nunca estava no castelo quando a rainha ia dar a luz... Estava sempre caçando...

- Ele foi mesmo um homem desprezível – ele disse, amargurado.

- Não fale assim do seu pai! – eu o repreendi.

- Ele não foi meu pai! Ele não foi pai de ninguém, nem mesmo dos filhos da leoa! Pai é aquele que está presente e é esta figura que eu quero ser para os nossos filhos! – acariciei seu rosto bonito, sorrindo. Falar de Robert sempre deixava meu marido muito mal.

- Será que eles terão seus olhos? – eu perguntei, tentando afugentar a tensão inicial daquela noite de uma vez por todas de minha cabeça e a que se instalou a menção do antigo rei. – Os olhos azuis dos Baratheon?

- Talvez nasçam com os olhos cinza dos Stark – ele sorriu.

- Acho que não... Selyse tem olhos escuros, mas sua prima Shireen puxou os olhos de Stannis... Acho que teremos lobinhos de olhos azuis – ele deu risada de minha brincadeira e beijou meus lábios.

- Eu tenho certeza de que vão ser bastante temperamentais – ele disse e eu concordei, gargalhando. – Se não puxarem a mim, puxarão a você!

- Isso se eles não somarem nós dois – brinquei e ele fingiu tremer com a imagem que lhe veio à mente.

- Boa sorte para nós! – nós gargalhamos e eu senti o bebê dentro de mim. Ainda era muito cedo para que ele chutasse, mas eu com certeza podia senti-lo crescendo... Sabia que ele podia nos ouvir! E que gostava!

- Não conheço ninguém que tenha mais sorte do que eu e você, Gendry!

- Acho que tem razão – ele sorriu e nós ficamos um tempo em silêncio, apenas aproveitando aquele momento. A escuridão, que me deixara ainda mais angustiada na hora em que acordei, agora me parecia confortável e tranquila. – Melhor dormirmos – ele disse, quebrando o silêncio. – Eu terei um dia cheio pela frente e você precisa descansar! – eu concordei com a cabeça.

Puxei uma toalha que ficava guardada ao lado da cama para cobrir o lençol manchado que deveria ser trocado apenas na manhã seguinte e me aconcheguei nos braços de meu marido, me preparando para dormir.

Fechei os olhos e senti o cansaço me dominando lentamente. Eu realmente precisava me poupar, não aguentava emoções tão fortes como aquela.

- Mamãe vai cuidar de você, meu amor – sussurrei bem baixinho, para mim mesma, tentando fazer com que Gendry não ouvisse, mas ele deu uma risada baixinha às minhas costas, denunciando que eu não tinha sido bem sucedida.

- E o papai vai cuidar da mamãe também!

Uma Esperança de PrimaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora