CAPÍTULO ÚNICO [PT]

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"Você foi criado por mim. Você foi criado pela minha reclusão. Você foi criado na defesa venenosa. Você é feito de medo e de mentiras. Medo de promessas unilaterais e de perder a confiança tão raramente dada. Você foi se formando durante toda a minha vida. Cada vez mais forte. Eles continuam me dizendo para respirar. Eu posso sentir meu peito se movendo para cima e para baixo. Mas por que sinto que estou sendo sufocada? Eu coloco a minha mão debaixo do meu nariz, certificando-se que há ar, mas eu ainda não consigo respirar. Cortes tão profundos que é como se eles nunca fossem curar. Dor tão real, quase insuportável. Tornei-me isto... Este corte, essa ferida. Tudo o que sei é esta mesma dor; respiração afiada, olhos vazios, as mãos trêmulas. Eu tenho medo de viver e eu tenho medo de morrer. Que forma de existir."

— Joy Katie Crawford sobre Transtorno de Ansiedade.

O primeiro contato

Quando eu tinha oito anos de idade, fui diagnosticada com ansiedade pelo pediatra de um pequeno posto de saúde pública em um bairro meio que esquecido por Deus no extremo leste da cidade de São Paulo. Eu era uma criança acima do peso e meu colesterol ruim estava exacerbadamente acima do normal até para um adulto. Com oito anos de idade, esse médico que não faço ideia até hoje de como se chama, me diagnosticou com Transtorno Alimentar causado pela Ansiedade. O médico tentou explicar para minha mãe, com todos seus termos médicos e científicos, sobre como a ansiedade agia mentalmente e que no meu caso ela estava afetando a mim, fisicamente, com a compulsão alimentar. Então ele disse que uma mudança drástica precisaria ser feita para que a compulsão alimentar e a ansiedade fossem controladas. Minha mãe saiu do consultório com uma dieta rigorosa para aplicar na minha rotina e com o coração em pedaços. Conhecendo a mãe que tenho, tenho certeza que ela se sentiu a pior mãe do mundo com toda aquela situação. Lembro-me que enquanto estávamos no carro, a caminho de casa, fiz meu primeiro questionamento sobre o meu diagnóstico.

— Mãe, o que é ansiedade? — perguntei curiosa — E por que o médico disse que tenho isso?

Mamãe virou-se para mim e sorriu. Mas seu sorriso não chegou aos seus olhos que estavam cansados, apreensivos e distantes.

— Ansiedade, Helena, é quando a gente fica ansiosa. — ela explicou — É quando a gente fica contando os dias para algo acontecer, sabe? — ela acariciou meus cabelos — Lembra quando você não via a hora das aulas voltarem para você poder ver a Rebekah e a Letícia na escola?

Balancei a cabeça assertivamente.

— Então... isso que é ficar ansiosa, querida. — ela disse.

Apesar de ter entendido sua explicação, fiquei confusa. O que aquilo tinha a ver com a minha saúde?

— Mas mamãe — falei — eu não estou ansiosa. Esse médico é doido, como ele sabe que eu fiquei ansiosa? Eu não estou ansiosa hoje. Foi só naquele dia. Se esse for o problema, eu juro que eu não vou ficar mais ansiosa agora. Eu juro juradinho, mamãe.

A mulher de cabelos escuros e olhos tristes ao meu lado sorriu mais uma vez para mim.

— Ah, Helena. — ela exclamou — Você não precisa se preocupar com isso agora, tá? — fitou-me com seus olhos amendoados e acariciou-me as bochechas.

E esse, foi o meu primeiro contato com a Ansiedade.

♦ ♦ ♦

Até onde eu me lembro, sempre fui uma pessoa de excessos. Excesso de solidão, excesso de paixão, excesso de tensão. Excesso no amor, na dor, no sarcasmo e nas piadinhas sem graça que aprendi com meu pai. Excesso de gordura, excesso de impaciência, excesso de maluquice. Um excesso de bagagem assustador e que faria um aeroporto inteiro me odiar só porque decidi fazer uma pequena viagem. Mas admito que nunca pensei que um dia, parte desses excessos que compõem meu eu, causariam tanta dor de cabeça - figurativamente e literalmente.

In My Blood || S.M. (oneshot) [PT-EN]Onde histórias criam vida. Descubra agora