Uma vez eu li uma frase que dizia: "O que você deixou de ser quando cresceu?"
Não sei o que se passou dentro de mim, no primeiro momento, mas eu sabia que o baque tinha sido grande e, naquele instante, eu apenas tive medo de constatar o que no íntimo já estava consumado: eu deixei de ser.
Foi claro como cristal. Eu não era mais. Uma vez eu disse que nunca mudaria, ingênua eu fui. Hoje me olho no espelho e meu reflexo me acusa, ele aponta o dedo para minha cara e ri, pois a promessa de uma criança sonhadora se desfez, a promessa de alguém que iria mudar o mundo perdeu-se na rotina de uma vida monótono em que os dias não têm mais sentido.
Os dias não têm mais sentido...
Este ser de quase vinte e um anos olha ao redor e sente vontade de desistir, pois desistir é fácil demais, é tentador e tão simples... as complicações cansam este ser.
Se eu fosse visitada pelo meu eu criança, eu por certo levaria um soco no estômago e um olhar duro de reprovação que me faria chorar em minha cama até meus olhos ficarem inchados e, depois de algumas horas de choro, eu olharia para meu eu criança, pegá-la-ia no colo e me desculparia por decepcioná-la, ela continuaria a me olhar com aqueles olhos castanho-claros frios... sim, porque meu eu criança tem olhos frios. Aqueles olhos perfurariam mais um pouco meu ser adulto que não vê mais sentido nas coisas e me fariam, mais uma vez, debulhar-me em lágrimas. Sim, porque eu ando muito chorona e por qualquer coisa eu já procuro uma saída discreta pela porta dos fundos, e na solidão eu me entrego. Na solidão eu não me nego. Na solidão eu sei quem sou. Eu sou tudo o que aquela criança disse que não seria. E, só pelo prazer de não dar um gostinho de felicidade para meu reflexo no espelho com sua risada estridente, eu choro no escuro, por baixo das cobertas, sem espelhos, sem reflexo, sem acusações puras e certas do meu fracasso. E tudo isso só porque eu deixei de ser. E porque não sei, não sei mesmo se um dia eu serei.
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Entre-lugar
PoesíaImagens textuais de um lugar outro. O meu eu do outro lado do espelho. ************ ATENÇÃO! PLÁGIO É CRIME! (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998)