A rotina era a mesma todos os dias.Acordar.
Sair para buscar os remédios.
Tomar café.
Pegar sol do lado de fora.
Almoçar.
Buscar os remédios da tarde.
Ficar um pouco enjoado por causa deles.
Usar alguma das salas de recreação.
Reunião do grupo de apoio/psiquiatra.
Visita caso você tenha alguma família.
Buscar os remédios da noite.
Jantar.
Ir dormir.E depois tudo de novo, exatamente do mesmo jeito durante todos os 5.400 dias que Jeongguk ficou internado no sanatório. Ele não se incomodava em repetir essas coisas, desde que não conversassem muito, nem o incomodassem — o que era quase impossível devido ao nível de pessoas que habitavam aquele local.
Veja bem, temos uma imagem muito deturpada sobre o tipo de pessoa que frequenta ou mora em instituições de saúde mental. O grande mal de todas as sociedades hoje em dia é trancafiar tudo o que não conhece ou foge do padrão de normalidade, escondendo como se fosse um monstro debaixo da cama. Muitos são internados por pura ignorância de uma família ou ente que não se importa em tentar entender o que está acontecendo no ínfero daquela pessoa.
Viver em uma instituição mental ainda é um grande tabu, não importa o quanto a sociedade já seja desconstruída. É quase como se tudo o que fosse tratado ali fosse contagioso.
A de Jeon, especificamente, abordava todo o tipo de patologia. Sociopatas, esquizofrênicos, graus diversos de autismo, pessoas com transtorno de personalidade ou de alimentação, velhos e crianças abandonados pela família. Literalmente todo o tipo de história triste passava pelos portões, onde viviam silenciosamente o resto de suas vidas confinados, vagando pelos corredores claros como almas à espera da condenação. Se pensar um pouco, realmente se parecia muito com o limbo.
No entanto, todos eram muito diferentes. Alguns até mesmo conseguiam viver ali sem adquirir outra doença na ficha no processo de convivência. Porém, uma das coisas em comum entre pacientes e funcionários era: a pergunta de por quê o garoto de cabelos negros, depois de tanto tempo de tratamento, ainda não fala.
A loucura na ficha de também é regular, claro.
O curioso é que Jeongguk não parecia ter uma doença ou algum tipo de trauma. Ele até mesmo conseguia ser gentil e sorrir para as enfermeiras que vinham lhe acordar todos os dias de manhã, e tomava seus remédios de forma educada e sem escândalo. Não dizia "não" para nada nem ninguém. Pintava com o coração e genuinamente gostava da sopa de algas do refeitório às terças-feiras.
E é aí que está o grande x da questão.
Nem todo mundo que aparenta estar saudável, realmente está.A dúvida sobre Jeon começava sempre que um paciente novo chegava. Um grupo era montado com os antigos internos para dar as boas vindas, como se fosse uma grande reunião de apoio para fazer amigos e evitar que você tenha a orelha arrancada com os dentes logo no primeiro dia.
Jeongguk sempre incluso. Gostava de suas orelhas.
Quando chegava na sua vez de dizer algo, todos os pacientes antigos o olhavam curiosos e esperançosos, esperando que finalmente alguma palavra saísse dele. Parecia cena de final da copa do mundo, onde tudo meio que fica em câmera lenta quando o jogador vai bater o pênalti que decide a vitória da partida.É claro que isso não acontecia, a bola batia bem longe da trave. No máximo ele se apresentava mentalmente com um leve aceno de mão para a pessoa. Se não se demonstrasse amistoso, os enfermeiros passariam meu comportamento para os médicos superiores e provavelmente ficaria internado mais tempo, então pelo menos esse esforço Jeon podia fazer. Aparentemente ter na ficha um bom comportamento impedia que o resto de sua eternidade fosse passado entre aquelas paredes. Não se diferenciava muito de um presídio.
Por fim, pediam que se apresentassem para contar algo sobre nossa vida. Na cabeça dos psicólogos, nos deixaria mais amigáveis e mais suscetíveis a fazer amizades, coisa que não fazia um pingo de sentido na cabeça de Jeon.
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Silentia
FanfictionAtormentado por um passado conturbado e um presente silencioso, Jeon Jeongguk é um pintor atípico, e suas obras são seu único modo de expressão, já que palavra alguma sai de sua boca desde o "incidente". Quando finalmente está livre de anos de conf...