Capítulo Único

4.6K 383 987
                                    


Tudo começou no dia dos namorados. Na verdade, não; provavelmente começou muito antes, mas sem que eu soubesse. Eu nunca tive uma percepção muito boa das coisas, só enxergo o óbvio. E o óbvio foi naquele dia. Ou pelo menos depois ficou óbvio que aquele havia sido o dia em que tudo começou.

Ino era minha melhor amiga, pelo menos dentre os colegas de classe. Seus pais tinham uma floricultura e, naquela manhã, ela havia chegado à sala de aula tagarelando sobre como as vendas explodiam em épocas assim e que ela, que às vezes cuidava da loja no tempo livre, havia faturado uma comissão enorme.

— Sabe o que é o mais louco? — disse ela, virando para trás e cruzando os braços sobre a minha carteira. — Teve um monte de gente encomendando flores pro namorado, acredita?

— É mesmo?

— É sim! Curioso, né? Geralmente só dão flores pra garotas, ninguém pensa muito que garotos gostam de flor... — Ela deitou a cabeça nas mãos, pensativa, inundando meu caderno aberto com aquela juba platinada, e então ergueu os olhos para mim. — Naruto, qual é a sua flor favorita?

— Girassóis! Adoro girassóis.

Ela sorriu satisfeita e ergueu a cabeça novamente.

— Uau, você tinha a resposta na ponta da língua, heim? Você gostaria se alguém te desse girassóis de presente?

— Ah, gostaria... Parece bobo, mas é um presente mais de carinho, né, de significado. — Eu mordi os lábios fantasiando quais tipos de pessoas e situações poderiam me render um buquê de flores. Nunca havia cogitado a ideia antes, mas de repente parecia um mimo maravilhoso. — Tipo... Imagina que você tá tendo um dia péssimo, uma semana ruim, e alguém que se importa com você te manda um buquê da sua flor preferida. Não parece ótimo? É o tipo de coisa que muda o seu humor: saber que alguém se importa e quer te fazer feliz.

— Tem razão... Eu não sei, acho que porque eu trabalho com flores, não parece um presente muito legal pra alguém me dar, sabe? Eu vejo flores o dia inteiro, todo dia.

— Imagino...

— Hey, Sasuke! — ela disse, virando-se de repente. — Que tipo de flor você gosta?

Sasuke era um cara estranho. Sua carteira também ficava ao fundo, ao lado da minha, mas ele pouco falava conosco. Aliás, falava muito pouco com toda a turma. Por ser muito quieto, taciturno e estar sempre com as notas entre as melhores da sala, era de se esperar que ele fosse alvo de chacota dos colegas, mas sua postura displicente, beleza incontestável e jeito ríspido acabavam lhe dando um status de ameaçador em vez disso. Os garotos, incluído eu, não tinham muita paciência para ele, já que (apesar de ser ótimo jogador nas aulas de Educação Física) não aceitava participar do futebol na hora do intervalo, não saía com o resto da turma, não conversava sobre quem da nossa sala ele gostaria de comer ou, honestamente, sobre nada. Num geral, achavam-no um chato arrogante. Já as garotas, pelo menos a maioria, achavam Sasuke misterioso e atraente; sempre tentavam puxar assunto ou chamá-lo para sair, mas nenhuma tinha sucesso. Ino estava numa fase em que balançava entre desistir ou continuar por esporte.

Ao ouvir a pergunta, ele ergueu os olhos do livro que segurava e a encarou apático.

— Não gosto de flores.

Ino deu de ombros e torceu a boca. Nossos olhares se encontraram por um instante; ele respirou fundo e voltou a ler.

Aquela conversa passou logo, na mesma tarde eu já não pensava mais nisso. Eu sequer me lembrei do tópico até algumas semanas depois. O fim de semana havia sido agitado e eu tive uma briga com a minha mãe. O motivo era bobo, nós dois sempre tivemos personalidades muito fortes e um orgulho maior que a boca; discussões exageradas por coisa pouca eram mais comuns do que eu gostaria. Não importava muito, mas eu estava amuado.

o Arranjo de GirassóisOnde histórias criam vida. Descubra agora