Cap 1☸

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Meia noite em ponto, constatou [s/n] pelo velho relógio de ponteiros da estação de Salt Lake City. Estava atrasada, como sempre, carregando uma enorme e pesada bolsa de mão vermelha, que parecia prestes a deslocar seu ombro e com a respiração ofegante. O ar dançava para fora de sua boca como fumaça, embaçando o vidro que a separava da atendente. Era uma daquelas noites de dezembro absurdamente frias em Utah.
Batia o pé impaciente, enquanto a bilheteira do turno da noite clicava onde quer que fosse na tela de seu computador e registrava o ainda não feito, pedido da menina.
- Uma passagem de adulto para o trem da meia noite? - a moça perguntou, como que para enrolá-la um pouco mais.
- Certo. - respondeu, tamborilando as unhas na madeira do balcão. Desde que saíra de casa, essa era a primeira vez que ouvia sua própria voz. Afinal, sempre que ia embora de algum lugar, não havia despedidas. Preferia assim, na calada da noite, quando todos estavam dormindo e ela podia se ajeitar em seu próprio passo.
A verdade é que odiava isso, o melodramático adeus atrelado a eminente tragédia da partida. Havia choro, lágrimas, questionamentos, gritos, dúvidas, declarações e fundos musicais inspirados. Isso não a interessava. Porque, em sua mente, sua estadia em algum lugar era um espaço de tempo extremamente bem definido. Não havia endereço a que pertencesse, pois ela apenas existia e imaginava qual seria o motivo de simplesmente ser em um lugar só.
O mundo era muito grande para que houvessem permanências.
Fez como sempre que era chegada a hora de se mudar: Pôs um bilhete na sala dos hóspedes atuais, explicando-se, e deixou um número para caso quisessem comunicar-se com ela. Afinal, não havia motivos para romper os laços. Talvez, ela não pertencesse a um só estado ou cidade, mas as pessoas que conhecia, que a traziam novas experiências, que faziam parte de sua constante transição, eram pessoas importantes e nunca deixariam de ser. A maioria ligava de volta e assim, desenrolavam-se papos longos e explicações ainda mais longas, mas a maioria entendia mesmo assim e, ocasionalmente, mantinham contato.
Na verdade, era incrível a capacidade de [s/n] de se fazer compreender. Provavelmente, porque ela era daqueles tipos dos quais nunca se pode esperar nada.
[s/n] simplesmente era. Todos que batiam o olho nela sabiam disso.
Uma menina marcante, com certeza, mas etérea.
- Qual é o seu nome? - a atendente perguntou, ousando levantar os olhos para encarar a menina que tinhas as bochechas vermelhas em um misto de exaustão e irritação.
- [s/n] [s/sobrenome].
- Entendido. E qual seria o seu destino, senhorita [s/sobrenome]?
Sem dúvida essa era uma ótima pergunta. Ela sabia que era hora de ir embora, mas não para onde. Já havia percorrido esse país de Jacksonville, sua mais antiga lembrança de infância, até Phoenix. Vez ou outra planejava seus destinos, muitas vezes repetindo, os que mais gostava, para rever os antigos amigos, porém, dessa vez, ansiava por algo novo. Mas para onde iria agora?
- Perdão, você teria um mapa dos Estados Unidos por aí? - perguntou em um tom envergonhado, até porque não podia exigir que uma atendente do turno da noite pudesse entender seus motivos.
- Temos sim, mas apenas dentro dessa cabine e, infelizmente, não estou autorizada a deixá-la entrar. Mas na parede a sua esquerda, temos uma lista de destinos separados por horário.
- Deve servir.
A fila estava vazia, então, tomou a liberdade de caminhar até o papel sem se preocupar em perder a vez. Os alto falantes não anunciaram a chegada de nenhum trem e, pela lerdeza no registro do pedido, parecia que havia algum atraso na estação.
Nos horários da meia noite, partindo da Greyhound Station, em que se encontrava, haviam trens para todo canto da Califórnia e do Texas. Porém, não queria ter que repetir Austin ou Dallas outra vez, então, optou para qualquer lugar que se lembrasse do nome na Califórnia.
- São Francisco. - disse, de volta ao balcão - Eu vou para São Francisco.
A moça de pele canela e olhos cansados digitou um pouco mais rápido dessa vez. O bilhete foi cuspido por uma pequena máquina de metal e entregue a [s/n] com mais pressa do que os últimos quarenta minutos que fora enrolada ali.
- São oitenta dólares. Como vi que estava indecisa, pus a estação no Shopping Center.
- Ótimo, perfeito. Sei que deve ser perto do centro. Aqui estão seus oitenta dólares - [s/sobrenome] entregou-lhe várias notas meio amassadas que tirara do bolso e pegou a passagem.
Começou a arrumar a bolsa no ombro dolorido e a ajeitar a alça da mala, quando a atendente a chamou um tanto aflita.
- Senhorita [s/sobrenome]... - a moça foi interrompida pela voz eletrônica dos autofalantes, anunciando a chegada do trem. - A-Acho que já sabe. Por favor, corra.
E ela foi. Imaginando se aquela mulher havia assumido um passo de tartaruga de propósito ou se realmente não tinha noção do horário. Correu, sem questionar, e tropeçou para dentro do vagão praticamente vazio. Um casal de senhores estava em um banco mais na entrada, uma moça bem vestida ocupava dois lugares com as próprias bagagens e um homem dormia nos últimos bancos, a gravata frouxa no pescoço e o terno desalinhado.
[s/n] ficou atrás dos senhores, havia aprendido a nunca sentar-se distante dos outros, sendo uma jovem viajando sozinha. Ajeitou suas coisas no lugar vago perto de si e enfiou a mão dentro de sua bolsa vermelha, puxando de lá um pequeno diário de quando era menor. Um caderninho gasto com capa de couro e adesivos colados por toda a extensão.
Abriu-o, tomando cuidado para não arrebentar as folhas velhas e amareladas, e encarou a própria foto de quando devia ter uns seis anos, as bordas um tanto rasgadas, colada logo na primeira página com seu nome escrito embaixo, em letras garranchadas. Sorriu solitariamente, sentindo o aperto da saudade esgueirar-se por entre as batidas do seu coração. A única lembrança de um passado do qual mal se recordava era uma foto e algumas folhas mal escritas. Mesmo assim, aquela era sua recordação mais preciosa.
O caderno, dado pela governanta do orfanato como sendo seu único pertence de sua antiga vida, era algo que levava consigo a qualquer lugar. Provavelmente, a única coisa que não havia deixado para trás ao longo dos anos. A única prova de que [s/n] não era, simplesmente, alguém.
A menina respirou fundo, olhou envolta do trem praticamente vazio para ter certeza de ninguém a observava e guardou novamente o diário. Por um tempo, encarou a noite passando pelo seu vidro em borrões, pensou no que seria dela daqui pra frente, se dessa vez encontraria algo que a deixaria animada em estar na Califórnia. Experimentaria o desejo de se apegar e de querer algo para sempre, seja lá o que isso significasse. Depois de um tempo, resolveu não levar sua mente a esses extremos. Fechou os olhos cansados e deixou-se vagar para longe de mais um dia de desapego. Era hora de se desfazer de Utah e abrir-se para uma novo capítulo mal contado de sua própria vida.

-~-~-~-~-~-~{ ☸ n/a ☸}~-~-~-~-~-~-
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OIIIIIIEEEE AMORECOS, olha, eu escrevo fics sim, mais eu to completando elas logo pra depois postar, pra n ficar fazendo ngm esperar! Essa é uma SHORT FIC! Obrigada bjsssss

A house is not a homeOnde histórias criam vida. Descubra agora