A viagem até São Francisco era longa e cansativa. Havia várias paradas em estações pelo caminho, nenhuma para sair de dentro do trem e respirar ar fresco. Por isso, precisava esticar as pernas ali dentro mesmo, no minúsculo corredor que tinha disponível para si. Temia, porém, que não pudesse fazer mais isso nas próximas quatro horas, à medida que o dia clareava e as pessoas começavam a apinhar o vagão.
Talvez pudesse ter pego um avião ao invés de um trem, mas não havia graça em ver uma cidade por suas nuvens. Ela gostava da sensação de pôr os pés no chão, saber que, em uma hora ou duas, podia sair por aquela porta e tomar seu rumo no meio de um lugar qualquer, sem risco de ser sugada para fora. Além do mais, as passagens eram mais baratas e todo o dinheiro que tinha deveria ser o suficiente para se hospedar, pagar pela própria comida e necessidades de um mês, até que encontrasse um bom emprego e recebesse o primeiro salário.
Antes disso, a economia era de guerra.
Podia parecer exaustivo esse processo de se estabelecer em algum lugar novo, mas, para [s/n], era algo de certa forma libertador. Lá estava ela, aberta para experiências novas, pessoas novas, lugares, costumes, gírias, culturas. Tudo dentro de apenas um país. Quando se cansasse daqui, quem sabe desbravasse outros continentes? Havia algumas economias para ela em uma conta de banco qualquer da época em que morara no Orfanato em Jacksonville. Economias que ficaram retidas pelo governo até que completasse 18 e fosse legalmente responsável pelos próprios atos. Mesmo assim, ela não mexia em nada por lá, prometia a si mesma que não colocaria as mãos no dinheiro enquanto não houvesse uma emergência real.
Nada, graças ao céus, havia surgido.
Estava dormindo, provavelmente babando, com o rosto todo amassado na vidraça, quando sentiu alguém cutucar seu ombro repetidas vezes. Dormia como pedra naquele banco e demorou um pouco para perceber que as movimentações não faziam parte de seu sonho. Passou as costas da mão sobre a boca e os dedos pelas mechas desarrumadas do cabelo. Levantou os olhos para a pessoa parada, pacientemente, perto de seu banco durante alguns minutos.
Por um momento, desejou não ter dormido de maneira tão descuidada.
- Perdão atrapalhá-la, sei que parece bem cansada, mas todas as outras cadeiras do trem estão ocupadas e a única vaga é esta... A com as suas bagagens - ele apontou, um tanto sem graça, para as coisas da garota sobre o lugar ao seu lado.
Estava sonolenta, mas, mesmo assim, puxou sua bolsa para o colo e a mala para debaixo do banco rapidamente, isso depois de ficar alguns longos e constrangedores segundos encarando o homem como uma maluca.
- Perdão - falou [s/n], mais uma vez surpresa ao se ouvir depois de longas horas sem pronunciar uma única palavra. Pigarreou - Quando entrei no trem, não estava tão cheio, então achei que não teria problema.
- Esse realmente é um horário bem movimentado por aqui. Não está acostumada a fazer viagens de trem?
- Na verdade, estou sim. Mas em trechos menores. - sorriu simpaticamente e o rapaz retribuiu.
Seus olhos, ela observou, eram terrivelmente azuis e pareciam ainda mais destacados pelas mechas escuras que delineavam o rosto e caiam um pouco antes das sobrancelhas. Tinha uma barba por fazer belíssima e bem rala, mas nada que o desse um tipo de aspecto descuidado. Parecia mais questão de preferência do que de desleixo.
Vestia roupa de trabalho, o terno pendurado no espaço entre a alça e o topo da bolsa de trabalho, as mangas da camisa social clara dobradas até os cotovelos, o cheiro de perfume masculino ainda forte, os sapatos bem polidos. Aparentemente, tinha bem menos do que trinta anos, mas fazia [s/n], em suas roupas casuais de inverno, parecer uma menor indefesa viajando sozinha. Ela não sentia medo, ele não a inspirava nada disso, mas sua beleza era um tanto constrangedora. Estava, sem querer, encolhida contra a própria janela, como se temesse o que pudesse fazer com ela.