Capítulo IV

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Capítulo IV: O mal que o homem faz¹

Àquela hora da tarde, o expresso para Berlim estava lotado, como sempre; moradores e cidadãos da grande Germânia uniam-se, esperando pacientemente por mais um dia como qualquer outro. A alguns anos atrás, com certeza duvidariam de seus semblantes otimistas e cheios de confiança; mas hoje, não. Sua nação, antes vitima de uma injusta punição, que quase a colocou de joelhos, hoje estava sob o comando de um novo líder – este líder havia superado o impossível, e devolvido ao povo o orgulho, a força – eles não eram mais um povo perseguido, e humilhado, mas sim uma raça destinada a herdar o mundo. Sim, muitos haviam ouvido sobre os horrores da guerra, alguns sabiam sobre os guetos e campos de concentração – mas o fuhrer lhes havia prometido o mundo, e a máquina de guerra na qual transformara a Alemanha se tornara indestrutível; logo a guerra e os relatos infundados sobre a perseguição aos judeus – por que alguém defenderia aquele povo mesquinho, afinal? – não importaria mais quando o 3ºReich ganhasse a grande guerra. Quando isso ocorresse, nem os italianos e japoneses poderiam impedir a grandiosidade que a nação ariana alcançaria.

Sentados no fundo do trem, dois passageiros inusitados ganhavam olhares suspeitos, e não à toa. Não era todo dia que se via um italiano e um japonês lado a lado – na certa, seriam agentes de Mussolini e Hiroíto, em alguma missão; nenhum dos dois tinha um semblante muito amigável.

- Estamos chamando muita atenção aqui – resmungou Cesare, chamando atenção para o óbvio – por que exatamente estamos indo justo para Berlin?

- Precisamos encontrar o especialista, Gaijin-san². Nossa tarefa é árdua.

- Pensei que você fosse o especialista – Cesare deu de ombros – o que foi mesmo que você fez; digo, como explodiu aqueles demônios em pleno ar?

- Era uma granada de água – respondeu o japonês, irritado por repetir as mesmas exatas palavras que já dissera – água benta.

- Hmm. Então as histórias são verdadeiras – água benta, crucifixos – a essa altura, cada um deles já carregava um em seus pescoços – e estacas no peito. Bram Stoker ficaria orgulhoso.

- Aquele marqueteiro não sabe nada sobre os kyuketsuki, acredite em mim – se tivesse visto tantos como eu, com certeza ele não teria o atrevimento de escrever uma vírgula sequer sobre o assunto.

- E quem é exatamente esse especialista? – disse Cesare, voltando à seriedade.

- Para o sucesso de nossa missão, amigo, você só saberá quando a hora chegar.

Cesare odiava estas respostas evasivas. Apesar de tudo o que vivenciara e testemunhara ao lado do oriental, não tinha plena certeza de que poderia confiar nele, e nessas horas, em que ele decidia esconder o jogo suas suspeitas martelavam em sua cabeça. Pelo que fizera, era muito improvável que trabalhasse com os nazistas; mesmo assim, não era falsa a idéia de que, mesmo lutando sob o mesmo eixo, o imperador japonês tivesse seus próprios interesses, que, ao contrário das pretenções de Hitler e do Dulce, não eram divulgados. Talvez por isso houvesse essa desconfiança, mesmo entre as fileiras nazistas. Era incrível o fato de que mesmo aqueles monstros guardassem receio em relação aos japoneses. Por mais que tentasse, Cesare não podia evitar a sensação de que seu aliado era um tubarão prestes a mostrar seus dentes.

Ambos mantiveram-se calados pelo resto do percurso, apenas observando, atentos a qualquer tipo suspeito ou mesmo se algum stormtrooper desse as caras. Para surpresa de ambos, chegaram à capital alemã sem contratempos – astuto, Katsuhiro alegava a todos os oficiais que eles eram enviados estrangeiros a cargo do próprio fuhrer, o que geralmente dava passe livre a qualquer lugar que quisessem ir. Mas ali, com certeza, não era o lugar onde Cesare gostaria de estar. Ele já havia visto muitos nazistas quando lutara pela sua pátria-mãe, mas aquela cidade havia sido moldada por eles – cada rua, praça e edifício – quase todos tinham panfletos, propagandas, e alto-falantes pregando a palavra do grande deus germânico, e era impossível ignorar as intermináveis fileiras de suásticas que se espalhavam por todo o lugar. Mesmo não sendo assustadora como o sol negro, a bandeira de sangue ainda era intimidadora, e contrastava com as tropas da SS que marchavam pelas ruas em meio a cidadãos eufóricos. Em vão, Cesare perguntava-se até quando eles continuariam com aquela insanidade.

Bandeira de Sangue (versão de degustação)Where stories live. Discover now