PARTE I (de IV)

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Filhas de Quimera ou Fábulas Nunca Morrem

Fabio Q

Primeira edição - São Paulo -2014

Projeto Gráfico e Artes de Capas -Fabio Q.

fabioquill@gmail.com / www.fabioq.com / instagram.com/fabioquill

Revisão - Luciana B. Fracchetta

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Originalmente lançado em formado de livreto e em série limitada e assinada, o conto acompanha um EP do ELO DA CORRENTE. Ouça aqui: https://soundcloud.com/elodacorrente/sets/cruz-instrumental

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Filhas de Quimera ou Fábulas Nunca Morrem – Fabio Q

[ A esfinge é uma criatura mítica.

Na tradição grega ela tem pernas de leão,

asas de pássaro e o rosto de uma mulher. ]

*  *  *

Com o fim da chuva, freqüente nesta época do ano, tons alaranjados surgem.

Os predominantes tons de cinza e o vermelho queimado que aqui jazem comuns ganharam coloração provisória.

O cinza do reboco inacabado.

O vermelho dos tijolos expostos.

Uma arquitetura improvável e disforme.

Casas amontoadas se multiplicam em incontáveis becos e vielas. Fios emaranhados pendem em adornos.

Desta terra recebe a garoa que lhe serve de apelido, e nada mais.

De pouco em pouco, o alaranjado do céu se esconde na linha do horizonte. Despede-se. Uma tímida sombra nasce e logo cresce em escuridão, aquietando o cotidiano.

*    *   *

Na madrugada, sonhos levam Eleonor a passeios delirantes.

A avó está no meio da rua, submersa em água, está em pé e não se molha. A água é transparente. Translúcida. Uma criança que é sua avó num instante, e deixa de ser em outro, brinca com pássaros que voam em torno dela. Eleonor pega um dos pássaros na mão. - Me entenda - diz a avó, que agora é pássaro. As outras aves voam em torno dela. Aumentando a velocidade, tomam forma de um tufão. A águas e torna turva e começa a afogá-la. Desespero.

Eleonor acorda. Ofegante. O desespero onírico se desfaz na realidade.

O sono se perde e ela carrega o restante da madrugada nos olhos pesados que mal conseguem manter-se abertos. Insônia. A exaustão encontra o amanhecer e vence. Ela enfim volta a dormir.

*   *   *

–Lê, acorda menina! Vem ajudar.

Eleonor sente o edredom despregar-se do corpo. A mente, entorpecida pela noite perdida, tateia o raciocínio ainda lento.

–Ahn? Ah mã... Sem essa... Deixa eu dormir.

–Já passa das 11h, menina. Chega de dormir.

Sem saída, Eleonor levanta. – A cara inchada e de poucos amigos não vai assustar. – ouve da mãe enquanto caminha até o banheiro.

Olha o reflexo no espelho gasto, opaco e sustentado por um prego torto.

Filhas de Quimera - Ou Fábulas Nunca MorremOnde histórias criam vida. Descubra agora