"Então, que tá rolando entre vocês?"

154 14 0
                                    

Tudo aconteceu muito rápido. Tinha um cabo preto no chão, o piso branco estava molhado e os malditos All Star que usava não tinham a mínima aderência. Tudo ficou escuro, em silencio. Um tipo de paz interessante. Mas logo eu fui retirada desse lugar feliz. Aos poucos, eu pude ouvir ruídos, vozes indistintas, ao longe. Minha testa queimava, ardia de forma intensa, então eu senti dor. Minha cabeça estava a ponto de explodir. Com muito custo abri os olhos, e vi outro par de olhos muito próximo aos meus, mas não olhava diretamente para mim, e sim, acima. Possivelmente para o lugar onde eu sentia doer mais. Mas aqueles olhos...

— Seus olhos têm pequenos pontos. São bonitos – disse rouca. Instantaneamente ele me olhou, e sorriu.

— Ela acordou, e já tá falando coisas non-senses – me dei conta da situação. Meu rosto agora queimava, queimava de vergonha. Andy sorria pra mim, ainda próximo, analisando meu possível corte.

— Ela está sangrando muito. Vou levá-la ao hospital – seus braços ao meu redor me carregavam. Minha cabeça doía muito, e a cada passo que ele dava, parecia que ela se espedaçaria. Tentei me segurar em sua camisa, e ele me trouxe para mais perto. Fechei os olhos. Me sentia muito cansada. Logo estávamos no banco de trás do carro. Alguém dirigia, mas eu começava a ouvir as vozes turvas novamente.

— Ei, fique comigo – Andy me chacoalhou levemente em seu colo. – Você não pode dormir, teve uma concussão – minha cabeça estava em seu peito, e ele me segurava com uma delicadeza adorável.

— Estou aqui – disse sem vontade. Queria mesmo é dormir. – Estou cansada.

— Vamos cantar... Aquela música que você cantou naquele churrasco, lembra?

— Eu não me lembro – deixa eu dormir, Andy, que coisa.

— "Hours slide, and days go by till you decide to come" – ele cantarolou, lembrando-me da música e tentando me manter acordada. Assim que sua voz doce acariciou meus ouvidos eu me desliguei novamente.

Andy's POV

Assim que eu cantei pra ela, já era. Chamei, mexi, gritei e nada. Ouvi Dani acelerar o carro quando viu que ela tinha desmaiado novamente. Eu fazia o possível para não entrar em pânico, mas não estava sendo uma tarefa fácil. Podia sentir um perfume gostoso vindo dos cabelos ruivos. Acariciei seu rosto levemente. Ela tinha um corte muito feio acima da têmpora esquerda. O sangue tinha escorrido em seus cabelos deixando mexas duras. Lembrei-me de seu tombo e quase ri novamente. Porque foi uma cena extremamente engraçada. Claro que quando ela não se mexeu os risos cessaram na sala.

Ela simplesmente escorregou em uma mini poça de vinho, o que a deveria ter feito cair sentada, mas ao invés disso, enroscou-se com um cabo de som, derrubando minha guitarra e um violão no processo. Sheila acabou batendo a cabeça na mesa de centro. A sala daquele tamanho, e ela foi bater a cabeça no único lugar que realmente podia machucá-la. Passei a mão pelos cabelos e a arrumei em meu colo.

Chegando ao hospital, entrei com ela ainda desacordada. Várias enfermeiras vieram ao nosso encontro. Contei rapidamente o que aconteceu e logo ela foi levada. Solicitei um neurologista para que a acompanhasse. Assinei como seu responsável, e quando não tinha mais nada pra fazer, esperamos. Sentei-me com Dani em um sofá reservado na recepção. Ele mexia em seu celular, conversava com Lico por WhatsApp, explicando a situação. Ficamos em silencio, até ele parar e me olhar.

— Então, que tá rolando entre vocês? – finalmente ele perguntou. Sei que todos estavam se enrolando para fazer essa pergunta. Desde que a Cris se foi, essa é a primeira vez que dou sinais de interesse por alguém.

— Eu e a Sheila? – sorri. — Não temos nada. Aliás, o que temos, é isso que vocês veem.

— Vai me dizer que não tá rolando absolutamente nada entre vocês? – Dani cruzou os braços e me encarou.

— Eu não sei. Ela me faz bem quando conversamos ou estamos no mesmo ambiente. Ela faz eu esquecer da minha tristeza. Se quero namorá-la, – resolvi responder logo de uma vez — isso eu não sei também. Não sei se estou pronto para isso.

— Então... Você não está apaixonado por ela?

— Não. Não sei, creio que não – respondi sem pensar. — Ela é ótima e... Não posso negar que sinto atração – após responder a tão esperada pergunta que com certeza todos estavam se fazendo, o médico se aproximou de nós.

— Sr. Bizzocchi, o senhor é o responsável pela Srta. Friedhofer? – O doutor disse lentamente o sobrenome dela e eu o corrigi.

— Sim, assinei como responsável pois os pais dela não moram em São Paulo – expliquei rápido. — Mas como ela está?

— Ela teve uma concussão. Não é sério, mas vai precisar ficar em observação aqui até amanhã, e poderia liberá-la, mas ela precisa de cuidados por mais 48 horas depois que sair do hospital. Se ela não tem com quem ficar, recomendo que fique aqui.

— Tudo bem.

— Ela está no quarto, fizemos alguns exames que devem retornar em uma hora. Mas como eu disse, não é nada grave. Ela está dormindo, mas vocês podem vê-la.

Dani estava ao meu lado, prestando atenção na conversa. O médico nos acompanhou até o quarto onde ela estava. Sheila estava deitada, coberta com um cobertor aparentemente confortável. Seu braço direito recebia soro, e ela parecia estar tranquila.

— A Ka está vindo me buscar, vou deixar meu carro com você, caso precise, depois trocamos. Me mande noticias quando puder – assenti. Era o lógico a fazer, mesmo eu estando completamente de mãos atadas até que cheguem os exames, ou ela acorde.

Assim que ele saiu me sentei no sofá ao lado da cama. O silencio estava me matando. Sai correndo e nem o celular tinha trazido. Então ela começou a murmurar. Cheguei mais perto para ter certeza se ela não tinha acordado. Nada. Sorri pra ela. Não podia explicar o carinho que eu sentia. Nunca fui de me apegar fácil as pessoas. Não sabia dizer se estava apaixonado por ela. Ela me fazia bem, e isso era o suficiente.

— O que houve? – Ela me despertou de meus pensamentos. Segurei sua mão e a senti gelada demais e sua voz não passava de um sussurro.

— Você caiu e bateu a cabeça, eu te trouxe ao hospital. Fizeram alguns exames e estamos esperando, mas o médico disse que você está bem.

— Meu deus do céu – Sheila riu de si. — Cês imaginam o quão irônico seria isso? – ela imitou minha voz grossa e eu gargalhei.

— Parece que o jogo virou, não é mesmo? – ela levou as duas mãos ao rosto, ainda rindo. — Ah, você tem que ficar em observação até amanhã, e então terá alta. Mas médico orientou para que você ficasse mais dois dias aqui para receber certos cuidados, já que mora sozinha e não teria ninguém para acompanhá-la de perto.

— Mas e Fluffy? Ele não pode ficar sozinho – ela tentou se levantar, e eu a impedi.

— Se quiser peço pra Mari ou a Cris irem até o seu apartamento pra pegá-lo e cuidar por uns dias.

— Ok, pode ser. Agradeça a elas por mim depois – assenti. Duas batidas leves na porta e uma enfermeira apareceu sorrindo.

— Sr. Bizzocchi, o médico quer vê-lo. É preciso de algumas assinaturas do senhor – ela se aproximou de Sheila e mediu seus sinais vitais, muito educadamente. Conversou um pouco com ela e se afastou. O médico depois nos explicou que os exames não acusaram nada, e que Sheila só precisaria ficar em observação, para algum acaso. Ele e a enfermeira saíram do quarto, nos deixando a sós novamente.

— Você precisa dormir, vou indo já. Aviso o pessoal que você tá bem – beijei sua testa com cuidado e me afastei. 

Um shipp (infelizmente) improvávelOnde histórias criam vida. Descubra agora