Fluffy!

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No dia seguinte Andy foi liberado do hospital. Ficou mais alguns dias afastado dos espetáculos até que decidiu que era hora de voltar, não podia e nem deveria ficar tanto tempo assim longe. E apesar de não ir com os meninos para os teatros quando decidiu fazer a pausa, ele ainda participava dos treinos. Era um ritual sagrado de toda quarta-feira desde sempre.

Numa dessas quartas-feiras, como eu estava novamente agendada para fazer as apresentações com eles na quinta e no final de semana, participei do treino então. Ainda não havia notado nenhuma oscilação no Andy ou coisa parecida. Ele estava como sempre foi: engraçado, leve, cantante, divertido e encantador.

Conhecia eles há bastante tempo, quando ainda nem imaginavam serem o espetáculo à mais tempo em cartaz no TUCA, ou serem internacionalmente conhecidos. E eu sempre senti certa atração pelo Andy. Talentoso, genial, inteligente, engraçado e agora, bonito. E vê-lo ali, sempre tão próximo do toque... Era muito tentador.

— É isso gente, até amanhã – disse Lico após termos encerrado o treino com o ritual padrão de roda, com cada um dizendo uma palavra que tivesse sentido no treino e uma para o que desejava para as apresentações da semana.

— Ei Sheila, você tem algo programado pra hoje ainda? – Andy me alcançou na porta.

— Pra hoje? É... Na verdade sim – a expressão dele mudou para frustração. — Eu vou num abrigo para cães e gatos abandonados para adotar um.

— Sério? – ele pareceu muito surpreso. — Que nobre da sua parte fazer isso.

— Sim, eu acho que estou precisando de uma companhia canina ou felina em casa, pra eu ter quem mimar, abraçar e brincar. Morar sozinha não é tão legal assim quanto eu pensava quando era adolescente – ele riu e eu me perdi.

— Quer companhia para adotar uma companhia? – ri, mais do que gostaria de ter rido.

— Claro! Vai ser divertido.

Conversamos durante o trajeto, eu dirigindo e ele no passageiro. E apesar de nos conhecermos a tanto tempo, tinha coisas que não conhecíamos um no outro, é claro. Então ele foi me contando sobre sua vida, os meninos, e algumas vezes citava o nome da Cristianne. Contei também pra ele sobre a minha vida. Falei sobre a falta que a minha mãe fazia, mesmo eu não admitindo isso com frequência. Ele ouvia tudo muito atencioso, e às vezes perguntava algumas coisas. Ele parecia genuinamente interessado na minha vida, e me senti um pouco importante por isso.

Levamos quase meia hora de carro até o abrigo. Era um lugar legal, com pessoas que cuidavam dos animais, e os doavam para os que queriam uma companhia. Logo que chegamos, a pessoa que aparentemente gerenciava o lugar veio nos encontrar. Era um senhor de mais de 50 anos, cabelos grisalhos e sorriso fácil.

Começamos a caminhar pelas grades onde vários cãezinhos e gatinhos de todos os tipos moravam. Pequenos, grandes, novos, velhos, bonitos e desgrenhados. Digo isso porque pra mim não existe cachorro ou gato feio. Em uma das últimas separações eu vi um gato preto de olhos azuis. Era um animal extremamente bonito, e logo me perguntei o porquê ele ainda estaria para adoção. A resposta veio assim que se mexeu. Ele tinha apenas três patas.

— É realmente triste ver isso – Andy disse com nojo e repúdio em seu olhar. — Muitas pessoas ainda têm o preconceito e o mito na cabeça de que gatos pretos dão azar e acabam maltratando esses animais indefesos e que não tem culpa alguma dessas merdas criadas por gente babaca.

Automaticamente me interessei. Abaixei-me e ele recuou, com muito receio. O senhor, que descobri chamar-se José, disse que todos eram vacinados assim que resgatados. Eu já tinha decidido, ele ia comigo para casa. José abriu a portinha da grade e eu bati em meu colo para que o gatinho se aproximasse. Andy gargalhou.

— Olha, não é assim que se chama um gato – eu fiquei muito vermelha. Que estupidez da minha parte.

— Em minha defesa, nunca tive um gato antes – disse tentando amenizar meu mico. — Quando morava com meus pais tinha dois cachorros e só.

— Cachorros e gatos são bem diferentes um do outro, mas você vai se acostumar bem rápido. Gatos não são tão demoníacos quanto dizem, talvez um pouco só... – disse em tom de brincadeira.

Andy se abaixou e esticou o braço, sem avançar no felino, apenas esperando que o outro fizesse o movimento. Ele também fez uns sons com a boca para chamar sua atenção. E quase como um encantador de gatos, ele conseguiu fazer o gatinho sair de onde estava para encostar a cabeça na mão do Andy, que percorreu pelo corpo do felino até a sua cauda. Logo o gatinho já estava tocando a cabeça na perna do Andy e fazendo voltas por ali.

— Acho que ele gostou mais de você – ele sorriu.

— Espero que não fique com ciúmes então – o encarei com cara de deboche. — É brincadeira, é brincadeira... – riu. — Vai, tenta você de novo, mas sem bater as mãos no colo como se ele fosse pular em cima de ti.

— Ok, ok – suspirei. Agachei novamente e estendi minha mão na direção do gato, imitando os movimentos e sons que o Andy havia feito antes. Dessa vez o gatinho se aproximou devagar, cheirou minha mão e deu uma pequena lambidinha. Sorri largo e olhei pro Andy que estava de pé, ele sorriu de volta.

— É oficial, ele já te ama. Amor à segunda vista – ri e dei um tapa em sua perna.

Pouco menos de meia hora, eu já tinha assinado os termos de responsabilidade, e estávamos a caminho da casa dele – pois iria dar uma carona –, discutindo sobre o nome do meu novo inquilino.

— Ele podia chamar Anderfilho, ha ha, como sou engraçada – disse enquanto acariciava a cabeça do meu novo melhor amigo, que estava no colo do Andy. Ele negava com a cabeça, como se já tivesse escutado aquilo milhares de vezes.

— Chama de Bizzocchi de uma vez então. Anderson Luiz Novaes Bizzocchi II – entrou na brincadeira. Pensei um pouco mais, mesmo rindo de sua explosão momentânea.

— Fluffy! – Assim que ouviu seu novo nome, o gatinho levantou a cabeça e olhou para mim. Andy invadiu o carro com uma gargalhada gostosa, e eu o acompanhei. — Viu? Ele sabe! – tínhamos parado em um pet shop no caminho para comprar a ração, potes, brinquedos e uma cama. Andy já tinha me alertado de que os brinquedos não serviriam de muita coisa. Que uma caixa e aqueles lasers seriam suficientes para entreter o gato.

Chegamos à frente de sua casa. Já eram quase 20h30min e o céu estava escuro. Antes de sair do carro, Andy ficou um tempo em silêncio.

— Obrigada por me acompanhar – disse quebrando o silêncio.

— Nada, adotar é uma atitude muito nobre de se fazer – ele sorriu de lado, parecia meio incomodado com algo, mas não disse nada. — Bom, até amanhã então.

— Amanhã? – Olhei um pouco confusa pra ele e uma pequena chama de desejo e esperança cresceu em mim, que logo foi esmagada.

— É, no TUCA – ele levantou a sobrancelha.

— Ah sim! Claro, no TUCA – ri de nervoso. Segundo mico do dia, que beleza. Despedimo-nos e ele deixou Fluffy no banco.

— É Fluffy, estamos encrencados.    

Um shipp (infelizmente) improvávelOnde histórias criam vida. Descubra agora