Acidente

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Eram 6 horas da tarde e lá estava eu me preparando para mais uma apresentação no TUCA. Havia chegado bem cedo porque sempre fico muito nervosa antes do início de cada espetáculo, mais especificamente de improviso. E um dos conceitos do improviso é "estar no momento presente", ou seja, esquecer todo o restante do mundo e focar no que está acontecendo ali. Mas era realmente muito difícil de se fazer isso, ainda mais quando o seu amigo e colega de trabalho está passando por um momento tão difícil.

Cristianne Pasecinic havia falecido em um acidente de carro, há mais ou menos duas semanas. Andy decidiu ficar afastado por um tempo, pois precisava digerir aquilo por mais alguns dias. Eles já estavam separados, mas ainda eram bons amigos, e tudo aconteceu de forma tão amigável de ambos os lados. Ela era uma pessoa doce, de coração muito bom, simpática e de alto astral, de verdade, sem a hipocrisia de que estou falando isso só porque ela já morreu. Quanto ao Andy, eu mesma só o tinha visto uma vez desde que tudo aconteceu, e ele estava devastado.

E foi naquela simples quinta-feira de outono que quase acontece uma tragédia. Lá estávamos nós, prestes a começar o Improvável, eu com uma sensação esquisita no peito, mas ignorando a todo custo, pois não era nada, claro que não. O Marcão era o convidado substituto do Andy e o MC da noite era o Edu, e ele deu início ao espetáculo.

— Senhoras e senhores sejam bem vindos ao Improvável! Com vocês... Marcão!... Daniel Nascimento!... Elídio Sanna!... A nossa convidada da noite Sheila!... E o nosso músico, Daniel Tauszig!

[...]

— A sessão de hoje foi muito boa! – Lico diz enquanto tira os tênis.

— Verdade, a plateia de hoje tava bem legal – disse Edu. — As sugestões do Cenas foram muito criativas, apesar de eu ter descartado um monte delas.

— O musical sobre crossfit foi bem engraçado – disse enquanto amarrava meu cabelo num rabo de cavalo e ri.

— Sim! – Lico exclamou e riu também, mas quando foi checar seu telefone, sua expressão mudou de forma muito brusca, de muito alegre para assustado e nervoso. Ele correu para o Dani, que logo ficou sombrio e preocupado.

— O que aconteceu? – Marcão perguntou

— Tá tudo bem? – meu coração começou a bater de forma descompassada. Aquele pressentimento ruim voltou a tomar conta do meu corpo.

— Não – Dani respondeu rapidamente. — Não está nada bem – eu, o Edu e o Marcão ficamos confusos, nos entreolhando.

— É o Andy... Ele bateu o carro num poste.

~

— Cês imaginam o quão irônico seria isso? – Andy estava deitado no quarto do hospital, aparentemente bem. O baque não tinha sido tão forte e ele só iria ficar em observação. Nós ficamos para a sessão de fotos no TUCA e depois viemos direto para o hospital.

— Se você tivesse partido dessa pra melhor, meu caro amigo, eu iria te ressuscitar só pra poder te matar de novo – Lico disse em tom repreensivo, mas claramente brincando, o que fez Andy rir. Era bom vê-lo sorrir.

— Desculpa preocupar vocês. Não era a minha intenção, eu só fui desviar de um gato que apareceu do nada na frente do carro. Não precisam fazer essa cara de velório, eu tô bem.

— É melhor ficar mesmo, se não a gente te força na porrada – Dani disse fazendo cara de valentão e eu não consegui conter o riso, o que contagiou a todo mundo.

— Desculpa Dani, é que eu não consigo te ver batendo em alguém – todos concordaram.

— Não sei por que ainda perco meu tempo com vocês. Passar bem – fingiu birra e saiu do quarto.

— Também vou indo já, infelizmente você não quebrou nenhum osso e nem nada, então tá super bem. Bora Marcão? – Elídio e seu sarcasmo.

— Bora. Quer carona Edu? Sheila?

— Eu aceito, com certeza – Edu disse.

— Nah, eu pego um Uber, se não vocês terão que dar mó volta depois.

— Tem certeza? – Lico insistiu.

— Tenho sim, podem ir.

— Beleza então, até.

— Até.

— Tchau gente! Eu tô aqui ainda, vocês vieram me visitar, lembram? – Andy disse, mas eles já tinham saído do quarto. — Credo, me ignoraram, cê viu? – falou com as pontas dos dedos encostadas no peito e eu ri.

— Eles te amam, você sabe muito bem.

— Tenho minhas dúvidas – cruzou os braços e eu ri de novo, revirando os olhos.

— Bom, esperei os meninos irem embora só para perguntar se você tá bem mesmo. De verdade, sem piadinhas e brincadeiras como autodefesa – Andy arregalou os olhos e levantou as mãos como quem estava desarmado. — Andy... – estreitei os olhos e o encarei fixamente.

— Ok, tudo bem, sem ironias e brincadeiras. Eu estou bem, sério, não precisa se preocupar – tentou me convencer.

— É claro que eu vou me preocupar, eu me preocupo com meus amigos – após eu ter dito a frase, o olhar dele mudou. Encarou-me com mais intensidade e eu senti minhas pernas quase fraquejando. Procurei apoio no pé da cama, pra tentar disfarçar.

— Amigos? Ah sim... – e antes que pudesse acontecer qualquer coisa ali naquele quarto, a irmã dele entrou e avisou que o médico disse que ele tinha que descansar, e que por isso as visitas tinham que sair. Me despedi dele com um beijo no rosto e fui para casa.    

Um shipp (infelizmente) improvávelOnde histórias criam vida. Descubra agora