Capítulo II - O mundo vestido de universo

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Lembram-se do apreço que Adam demonstrara no início do semestre? Pois bem, tornou-se desprezo e ódio a partir do segundo em que eu, acidentalmente — com a minha personalidade encantadoramente desequilibrada — pisei em seu pé. Ele gritou:

— Clóxis lesada! Como pôde?! Rosnou e saiu andando e bufando. Parece que ele não aceitou muito bem as minhas desculpas, acusando-me — com aquele olhar frio e cortante — de que eu tinha feito propositalmente. Bobagem. Isso foi uma pequena representação evidenciando que nem no mesmo cômodo era aconselhável que nos deixassem.

Detalhe, Adam me chamava de Clóxis alegando que era o nome perfeito para uma cabeça de vento como eu — uma criatividade fora do comum para não falar o contrário — e por sua vez, eu o chamava de Xepa, me justificando que ele era tão arrogante que a aparência dele era parecida com a boneca da Lilo, em Lilo & Stitch — embora eu nunca tivesse visto o filme ou a série quando criança.

E assim era a nossa relação, se isso podia ser classificado como uma. Enfim, Adam não era tão importante assim, então não faria parte do meu futuro, eu esperava. Sempre que eu via o Xepa me sentia aliviada só de pensar que não o encontraria depois do meu último ano letivo, não precisaria mais lidar com sua irritação constante e frieza digna do Ártico. O único que tinha a minha atenção era o Jean e isso não mudaria nem perante a escola, muito menos perante a sociedade.

Falando nele, Jean acabara de passar pela porta da minha sala, com aquele sorriso, "aquele maldito sorriso", se é que me entendem. De repente, um fio de tristeza tornou-se evidente na minha mente quando não o vi mais. Costumava ter um receio de que o que estávamos vivendo não fosse tão eterno quanto eu imaginava, fosse apenas um sopro, só para me acalentar por um momento e depois deixar-me sem explicação alguma. Talvez fosse só a minha personalidade insegura? Talvez nada do que estava passando na minha cabeça fosse realmente um acontecimento em potencial? Ou apenas uma simples atormentada TPM?

Vivia todos os dias com a motivação de que os meus pensamentos estivessem me enganando e que a realidade era o que eu estava vivendo, que eu estava a amá-lo para sempre.

O sinal para o intervalo soou tirando-me do estado de inércia que minha reflexão me incluíra. A alegria tomou conta do meu corpo novamente e sai do cômodo exasperada para encontrar meu caro. Porém, não pude ignorar uma breve encarada que Xepa jogara em minha direção, até perdi o passo, logo me recuperei e fingi que era só parte da sua raiva contínua por mim — bem que era um sentimento  grande, em partes mútuo. Chega de conspirações e viagens imóveis, melhor aproveitar o tempo sem muitas responsabilidades que o colegial nos oferece — foi a mais influente ordem que dei a mim durante as poucas horas que estava em aula naquele dia.

Quando adentrei o imenso e gelado pátio Evans — por sinal era um dos invernos mais gelados dos últimos dez anos —, avistei Jean rodeado de garotas e rapazes, todos rindo e animados. Curiosa me aproximei já me encaixando no espaço vazio no lado direito dele, seu braço passou por cima do meu ombro e ele deu um beijo em minha cabeça, eu sorri e olhei atentamente para todos, tentando entrar naturalmente na conversa antes iniciada na minha ausência. O mais belo me lançou um olhar inquieto, retribuindo olhar com uma expressão confusa, perguntei sem hesitação:

— O que tanto perturbam o meu namorado? — Uma voz meio brincalhona surgiu na multidão. Era o Jeff, o melhor amigo de Jean, interrompendo os curtos segundos de silêncio:

— Você não sabe Springer? O seu namorado passou no vestibular de engenharia numa faculdade federal de Santa Catarina! Merece até comemoração! — Aplaudindo continuou:

— Que tal karaokê esta noite? — Eu o encarei e depois Jean, atônita com a notícia inesperada que eu não recebera diretamente dele. Me afastei um pouco e concordei com a cabeça, com um sorriso amarelado. Fui me encaminhando para a saída, antes mesmo de ter lanchado, meu namorado pegou minha mão e me pediu com o rosto entristecido:

— Espere, vamos conversar. — Com uma dor no peito neguei alegando, vacilando um tanto, que precisava entregar algumas tarefas aos professores do período passado que eu esquecera. Receoso, ele afrouxou a mão que estava me impedindo de seguir meu caminho e eu o deixei no meio de todas as outras pessoas.

Meu coração estava apertado, minha cabeça estava latejando e até a minha boca secou. Eu não acreditara que ele poderia omitir este fato tão importante para a vida dele e, consequentemente, para minha. Eu estava aérea até que me choquei com uma lata de lixo no corredor da escola, e assim sucedeu um estalar na minha mente: "Os convites!" A festa de Jean era em três dias e eu ainda não tinha entregado todos os convites para os nossos amigos. Sorte que os papéis estavam na minha bolsa.

Fui até a classe novamente, encontrei o Xepa com seus óculos redondos azulados de leitura — um pouco mais escuros que seus olhos —, lendo um livro de investigação ou algo do gênero. Só o observei naquela posição típica dele — o rosto apoiado no punho com as pernas cruzadas —, exalando aquele perfume de mirtilo, um perfeito inglês! Depois de alguns segundos de pensamentos soltos e aleatórios na minha mente, caí em mim e lembrei que o meu objetivo ali era apanhar minha bolsa com os convites. Peguei-a e resmunguei:

— Seu estranho — eu reparei que ele gesticulou algo para eu parar de falar, revirei os olhos e o ignorei. Nem sei por que eu falara aquilo, mas os adjetivos pejorativos saltavam da minha boca e eu apenas reagia ao impulso. Em seguida sai correndo para não perder mais tempo.

Entrei no pátio de novo, meio insegura e desconfiada, conferindo se Jean ainda estava por perto. Ufa! Essa foi por pouco! Barra limpa! Falei com o restante dos convidados que eu não tinha contatado alertando que a festa era para ser surpresa e implorando silêncio. Quando chegara o último participante do meu plano, percebi que os convites haviam acabado. Droga! Eu pensei que tinha contado milésimas vezes o número de pessoas e papéis! Poxa, me enganei. De repente me veio a cabeça que ele era o namorado de Geórgia, David. Assim que Geórgia despreocupada se aproximou, logo pedi para dividirem o convite, ela sorriu e concordou dando um beijo caloroso na bochecha do amor da vida dela. Amém!

Retirei-me de lá quando o sinal soou novamente com o sentimento de missão cumprida, até havia me esquecido do ocorrido. Entrei na sala quase tropeçando nos meus pés de tão desesperada para não perder a aula de português, uma das mais chatas e difíceis de Evans Nature.

Sentei e me recompus, bem a tempo da professora anotar a chamada, o meu nome, Blue, era um dos primeiros da lista. Na hora que virei para frente na carteira, analisei o Xepa a minha frente, parecia muito exasperado em guardar algo em sua mala, quase derrubou do seu rosto os seus óculos. Bom, nem ligara, ele era esquisito sempre e também ele não se sentia confortável comigo atrás dele "vigiando-o". Até parece!

A aula começou definitivamente e meus pensamentos foram as alturas, tentara me concentrar nela, porém só pensava em Jean e na sua futura faculdade. Era algo bom, mas por que não me contou sobre? Era o que ele sempre almejou em sua vida estudantil, não compreendia. Me veio a mente então a frase diária, bem incomum na verdade: "O mundo vestido de universo." A professora reparou que eu não estava muito presa ao assunto de hiperbato ou catacrese, deu um tapa na mesa chamando o meu nome inteiro:

— Blue Springer! O que acha que está fazendo?! Está perto dos vestibulares e não tem o pingo de vergonha para pelo menos prestar atenção em minha aula?! Leia o próximo parágrafo imediatamente senhorita! — Assustada, abri o caderno o mais rápido que pude e falei de forma mais atenciosa e calma que eu consegui num momento como aquele:

— Desculpa professora, onde estamos? — Só pude ouvir o suspiro de decepção antes da bomba:

— Já para a diretoria!

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