A mulher atravessa a rodoviária passos apertados e firmes.
- Não se atreva a embarcar nesse ônibus.
Postada à minha frente, percebo que ela está encharcada dos pés à cabeça, graças à chuva torrencial que cai na parte de fora da estação.
- Você não pode me abandonar novamente. - Seus olhos começam a se encher de lágrimas. - Por favor, não me deixe.
E lá estávamos nós, há quatro anos, nessa mesma rodoviária. Em uma mão, minha mala. Na outra, a mão dela. Tão quente e humana. Eu era apenas um menino, impulsionado pela oportunidade e pelo desespero atrás de um futuro. Para mim. Para nós. Antes de embarcar no ônibus, ela puxa meu braço. Não me deixe, por favor. - Ela suplica
- Tarde demais. - digo, com o coração na mão e um sorriso fraco.
Ainda lembro do nosso último olhar, o último adeus. Eu, da janela do ônibus e ela, da beirada da plataforma. Foi a pior despedida da minha vida.
×
Volto para o presente e analiso seus detalhes. Visito a minha cidade natal pelo nascimento de um sobrinho. Era para ser uma visita rápida, um fim de semana apenas. Mas ela me viu. Ela me viu no dia em que cheguei na minha antiga rua e me viu agora.
Ela veio me ver.
Penso no quanto esperei por esse dia e por quanto tempo idealizo esse momento. Chego perto dela e sinto seu cheiro. Ela ainda usa o mesmo perfume da adolescência. Seus traços estão mais maduros, mais belos. Ela não mudou nada, mas mudou tudo.
- Eu nunca deveria ter te deixado.
Essas palavras escapam da minha boca. Desesperadas, inconsequentes, tóxicas. Pesadas, impacientes e de absurda sinceridade.
Seus braços me envolvem em um abraço repleto de saudade. Quando dou por mim, estou chorando. Em um momento de loucura, pego minha mochila no chão e rasgo a passagem de volta para casa. Pego sua mão e corro.
Corro como se não tivesse amanhã.
Corro como se não houvesse mais preocupações em minha vida.
Corro pela chuva e pelo asfalto escorregadio, então selo nossos lábios em um beijo roubado, digno de cinema.
Nesse momento, saio de meus delírios.
Estou olhando fixamente para a plataforma. Ela ainda está lá. Da mesma maneira de meus devaneios, mas não se despede de mim.Despede-se de outro. Dá-lhe um beijo no rosto e agarra a mão da criança ao seu encalço. Deve ter cerca de dois anos e olha tudo com atenção, como se gravasse cada flash em sua memória. O homem era meu amigo de infância, crescemos juntos. Embarco no ônibus apressadamente e encontro um banco vazio ao final do veículo. Sento e coloco o fone de ouvido. A música Tempo Perdido, da Legião Urbana, ecooa nos pequenos alto-falantes. Rio da ironia que é minha vida e fecho os olhos. Sonho com seu rosto e inimagináveis desfechos para nossa história. Pena que a frase Tarde Demais encerra cada um deles.
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Delírios de Uma Mente Ansiosa
Poetry"E eu sei que você sabe, quase sem querer Que eu vejo o mesmo que você" - Renato Russo