IV. As Florestas Gêmeas

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A dupla pegou o caminho mais curto, decidindo cavalgar pelas florestas gêmeas e adentrar posteriormente a Colina Negra, onde fica localizado o macabro Forte Negro. Estas florestas gêmeas, Humtona e Beverfell, ficam dois dias ao sul de Fíreo e diferem-se da vila das bruxas por não ser um território coberto de neve. No entanto, se assemelham por ter uma terra infértil e inóspita. A causa disso são as colossais árvores-vegrenora, típicas da região, que cresceram tanto e em tão pouco tempo que acabaram sugando todos os nutrientes que a terra fornecia. Suas raízes viajam por quilômetros no subsolo denso e seus ramos estendem-se sobre todo o território das duas florestas, sobrepujando toda a planície. Devido a isso, a terra está seca e morta e as criaturas que ali viviam, morreram ou viraram seres piores do que mortos.

Já amanhecia, porém não era tão perceptível por ali, já que as árvores escondiam os raios solares de toda a planície. Mesmo assim, Mara estava impaciente com sua missão e queria chegar o mais rápido possível a seu próximo destino:

— Precisamos ir mais rápido, Lucille. Os pássaros já cantam, sinal de que já está amanhecendo. - dizia enquanto cavalgava ligeiro e ao mesmo tempo observava os pássaros.

Antes que Lucille pudesse responder, Meia-Noite disse:

— Estamos nos esforçando demais, Mara. Seu garanhão já não aguenta mais. Estamos há quatro horas cavalgando sem parar. - dizia ofegante enquanto corria intensamente.

— Também acho que devemos parar e descansar um pouco. Minhas pernas estão ficando com câimbras. Necessito me esticar um pouco. - disse Lucille enquanto segurava firme em Meia-Noite. Seus olhos estavam lentamente se fechando, a exaustão parecia haver chegado.

— Passamos de Humtona e já estamos em Beverfell. Não podemos parar por aqui. Vocês sabem que é extremamente perigoso se um 'vemlach' nos ver. - dizia enquanto observava rapidamente todos os lados de uma vez. - Não podemos ser vistas. - pensou.

Os vemlach era uma raça parente dos elfos tradicionais, porém diferenciando-se em algumas características. Eles possuíam uma pele escura profunda de negro-obsidiana que combinava com mechas de cabelo branco e prateado, e a cor dos olhos variavam desde amarelos brilhantes até vermelhos puros. Eram extremamente atraentes e mais vaidosos que os elfos tradicionais, muitas vezes ultrapassando seu padrão de beleza. São sensíveis à luz devido ao longo período que estão reclusos nas profundezas do subsolo e, podendo enxergar no escuro com muita facilidade.

Os vemlach, apesar de serem exuberantes e vaidosos, também são extremamente astutos e ambiciosos. Não são assassinos descontrolados e desequilibrados, mas sim criaturas traiçoeiras e maldosas que visam sempre atingir um objetivo, custe o que custar. E, como o reino dos humanos de Alto Castelo quer exterminar as fírias, os vemlach veem uma brecha para conseguir uma vantagem nisso.

— Dizem que os ehlark habitam estas terras. Ou melhor, o subsolo destas terras. - disse Lucille.

— É o que dizem... - disse Meia-Noite enquanto corria cada vez menos.

— O que está havendo tio? Por que está diminuindo a velocidade? Não podemos parar! - gritou Mara olhando para trás.

Meia-Noite estava muito ofegante, seus olhos se reviraram, de negros ficaram brancos e suas pernas trêmulas não aguentaram mais. O unicórnio desabou no chão e levou Lucille consigo. A fíria saiu rolando violentamente pela terra seca e áspera que arranhava sua pele. Mara, rapidamente, retraiu com firmeza as rédeas de seu alazão que ficou em pé com suas patas da frente sobre o ar por alguns segundos, uma relinchada feroz suprimiu o barulho dos pássaros. Mara saltou de seu cavalo e correu em direção à Meia-Noite.

— Tio! - gritou. — Você está bem? - disse enquanto tapeava a face de Meia-Noite. — Lucille, corra aqui! - gritava desesperadamente.

Mara segurava o rosto do unicórnio com firmeza e o fitava sem piscar, tensionava suas sobrancelhas e mal conseguia respirar, seu coração estava a bater impulsivamente.

Lucille ficara desacordada por alguns segundos após a colisão com o tronco de uma das gigantes árvores. Abriu os olhos lentamente.

— Ai! - gemia de dor.

Lucille colocou a mão sobre sua cabeça, onde sentia dor. Quando retirou sua mão, viu um pouco de sangue. Havia machucado sua cabeça, porém logo lembrou que Meia-Noite havia caído.

— Ju... mento. - disse sussurrando em desespero, enquanto levantava rapidamente.

Sua perna direita doía muito, sua coxa estava roxa. Tentou correr, mas só conseguia mancar. Mesmo assim, esforçou-se para ir mais rápido ao encontro do unicórnio.

— Lucille, corra aqui! Meu tio não responde! - disse Mara desesperada.

Lucille ouviu os gritos de Mara alguns metros dali. Já a avistava no chão com Meia-Noite. Tentava correr desesperada, mas sua perna doía muito, cada vez que pisava sentia fortemente seus ossos atritando uns com os outros. Uma dor agonizante que a fazia gemer.

— Mara, vê se consegues ouvir os batimentos do coração dele. - disse enquanto já estava próxima dos dois.

Mara ouviu o pulsar de seu coração, mas estava bem fraco, quase inaudível.

— Lucille, ele está morrendo. Faça algo! - disse inquieta.

Sem pestanejar, Lucille entrelaçou as duas mãos entre os dedos e fechou os olhos. Respirou profundamente, logo antes de gemer e tombar fraca pelo chão.

— Lucille, o que está fazendo? - Mara não entendia a situação.

Quando a fíria de cabelos ruivos desentrelaçou os dedos, uma pequena esfera roxa saiu do meio de suas mãos. Esfera esta, que foi em direção ao coração de Meia-Noite.

Mara não parou de fitar a esfera até que sentiu um pulso tão forte que conseguiu ouvir o bater do coração de Meia-Noite.

— O que foi isso?! O coração dele voltou a bater de repente! Eu sinto. - disse Mara aliviada.

— Graças aos deuses. - disse Lucille com um pequeno sorriso no rosto, enquanto segurava sua barriga que agonizava de dor.

— Lucille, você está bem? Está mais pálida que o normal...

— Estou sim, não precisas te preocupar comigo. - dizia enquanto tentava levantar, mas sem sucesso.

Meia-Noite abriu os olhos, já conseguia ficar de pé. Ele havia percebido o que Lucille acabara de fazer e apenas a olhou com um pouco de desgosto.

— Por que esta cara, tio? Parece que não gostou de vê-la melhor. - disse ajudando Lucille a se levantar.

— Não é nada, tampinha. - percebia-se um sorriso forçado. — Há coisas que realmente nunca mudam... - o tom de voz de Meia-Noite havia mudado, aquela voz franzina ficou, de repente, grave e séria.

— Bom, acho melhor acharmos um lugar para repousarmos, enquanto temos tempo. - disse Mara quebrando o clima.

Havia começado a chover forte, o céu estava tão escuro que nenhum raio sequer cruzava os galhos das árvores. Os trovões eram pesados e estremeciam o céu. Pareciam explosões.

O trio já havia cruzado o fim da floresta de Beverfell. Estavam no território das Colinas Negras e Mara localizou uma caverna para que eles pudessem descansar. A área é coberta de montanhas colossais estreitas que bloqueiam a luz solar. O lugar é hostil e quase sempre chove, a terra é um lamaçal tóxico e, fede a podridão e carne humana crua, além de ser infestado de necrovadores, monstros bípedes que se escondem debaixo desse lamaçal. São uns verdadeiros carniceiros.

Alguns metros dali, na floresta de Beverfell, um vemlach misterioso avistava escondido os rastros que as fírias deixaram.

— Com certeza é ela! - disse por alto.

Um elfo cadavérico mascarado, robusto e muito alto. Orelhas tão afiadas como sua espada escondida em seu espinhaço por entre seus longos cabelos prateados. Olhos amarelos bem profundos, como os olhos de um gato negro. Sua beleza era imponente. Com certeza, era um vemlach.

— Ayar precisa saber disso. - disse enquanto virou-se rapidamente e adentrou o subsolo por uma passagem secreta perto de uma das árvores.

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⏰ Última atualização: Jul 24, 2018 ⏰

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