Uma Nova Vida Para Tirar Você Da Minha

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"Até quando? Amaldiçoado seja o passado, angustiado é o presente e tenebroso será o futuro."

Vocês imaginam como eu sou, tudo o que eu sou é representado por uma palavra, não é mesmo? Prostituta.
Não importa o quanto eu seja honesta, deixei de ser o bem, joguei minha integridade no lixo, mas com o passar do tempo provarei quem sou.
É claro, não decidi ter essa vida sem qualquer outra opção não ser tentada antes, tenho uma história para contar.

Nasci em Londres, aproximadamente no ano de 1863 em meio a essa chuva e sujeira. Meu nome de nascimento não sei mas fui batizada como Donatella D'giorgio pelo bispo Don D'giorgio que era italiano, fiquei sabendo que significa "dada de presente", um nome bem típico para mim, não? Mas amava o meu apelido, Lalá como eu costumava a ser chamada quando criança. Meus pais eram ciganos e acabei sendo colocada em um orfanato no interior, ainda bebê, por conta das condições que eu me encontrava. Nasci cega do olho esquerdo, não praticamente cega, mas enxergo o mundo em várias tonalidades de preto e cinza com esse olho e a sua cor é azul, um azul turquesa com toda a intensidade que você possa imaginar, diferente do outro olho que é castanho combinando com meus cabelos também castanhos. Até hoje não sei o porquê de realmente ter sido abandonada em um orfanato, mas uma coisa é certa, foi o pior momento da minha vida.

Cresci ao meio de muitas meninas, nunca tinha visto um menino, a única figura masculina era o bispo Don D'giorgino que aparecia uma vez por semana na capela do orfanato, ele se trancava lá com algumas freiras órfãs para "expulsar o mau delas", os gritos eram aterrorizantes, horas de torturas. As freiras mais velhas tentavam abafar nossos ouvidos, mas mesmo assim ouvíamos. Quando ele finalmente acabava, as meninas sumiam por alguns dias, até mais tarde eu saber que era para tratar dos ferimentos de suas partes íntimas e dar pontos em vários cortes pelo corpo causados pelo demônio de batina. Ele as traumatizava para que nunca sentissem alguma feição por um homem, como um desejo de posse, quanto mais garotas ele feria, mais poder ele possuía. Fora esse mal, mantinhámos um respeito mútuo entre nós, aguentávamos o máximo que podíamos e ficávamos unidas e isso fez com que nos aproximássemos cada vez mais, tanto que mal sabia ele que muitas de nós tínhamos casos umas com as outras, não como uma orgia, mas sim algo mais relativo ao amor, nos amávamos muito, tanto que muitas vezes nos juntávamos em grupos e íamos nos satisfazer escondidas no porão do orfanato, era algo mais "inocente". Fazíamos de tudo para nos aproximar o máximo possível de ser uma família, essa união fazia com que não suspeitassem de nossas carícias noturnas.

Mas depois de um tempo, as coisas já não eram mais as mesmas, eu senti no ar uma aflição. Contei para minha melhor amiga e amante Vivian, que deveríamos fugir dali pois algo horrível iria acontecer, ela não acreditou em mim pois por pior que fosse o nosso destino, ainda estávamos salvas dos demônios que amedrontavam o mundo, como nos era proferido para não escaparmos do lugar. Não suportei a angústia e comecei a me isolar por um tempo, temendo sempre algo pior. Uma semana se passou e recebemos a notícia de que o bispo D'giorgino foi transferido para o Vaticano, e que outra pessoa assumiria o orfanato. Nunca o vimos de fato, mas ouvíamos passos pelos quartos durante a madrugada e em variados dias da semana, tínhamos receio de olhar e acontecer algum mal. Até acordamos um certo dia com gemidos e Vivian ir olhar, quando ela chegou perto do lugar, logo ela sumiu e a porta bateu com toda a força. Algumas garotas sumiram nesse dia, junto com elas o meu primeiro e breve amor. Todas as garotas ficaram com medo e não pensavam no que fazer, eu queria levá-las junto comigo para fugir mas não consegui, arrumei minhas coisas logo e fugi pelos arbustos que cercavam o orfanato, subi uma inclinação logo após sair dos arbustos para ver o orfanato pela última vez, quando virei para olhá-lo, as chamas estavam tão altas que poderiam alcançar as nuvens.

Tentei parar de pensar nisso todos os dias até agora, mas o sentimento de quando fui penetrada pela primeira vez me ajudou a esquecer, nada do que um novo trauma para escapar de outro. Conheci Mary numa lanchonete em Manchester, ela me atraiu de forma instantânea com seus olhos verdes e seus cabelos negros, uma combinação perfeita com seu rosto delicado, a deixando ainda mais atraente com seus seios fartos, pensei logo que ela poderia ser alguém muito importante na sociedade e fixei meu olhar a ela fixamente até ela notar e olhar para mim e vir ao meu encontro, fiquei paralisada mas por dentro estava em euforia, ela sentou ao meu lado e sorriu, meu coração disparou e ela começou a puxar assunto e acabei ficando mais a vontade com o passar do tempo. Ela ria com muita facilidade das coisas, algo que me irritava às vezes. Lembro como se fosse hoje que seu maior sonho era largar a vida de operária em uma das várias indústrias têxteis que existiam em Manchester para ser uma atriz em Londres. Criamos um laço de imediato, era tão perfeito. Ela nunca me disse o seu nome mas a chamava de Mary, acho que ela se familiarizou com esse nome pois nunca reclamou, ou era esse o seu verdadeiro nome? Como eu não tinha um sonho, comecei a sonhar em ser atriz com ela também, não porque realmente queria, mas sim para estar na companhia dela.

Decidimos juntas de seguir esse sonho e pegamos carona numa carroça de contrabando de ópio, tinham alguns homens no meio. E as únicas mulheres éramos nós, depois muitas horas não aguentava mais a vontade de urinar e pedi para pararem a carroça, eles começaram a rir e pararam, eu fui correndo sem olhar para trás pra ver se alguém me seguia. Um homem me acompanhou sem eu notar, quando estava agachada ele simplesmente apresentou seu pênis por trás de mim, quando eu iria gritar ele tampou minha boca, comecei a tremer e cai de quatro com as mãos na minha urina, até que quando eu menos esperava, Mary vem com um punhal em mãos e corta a garganta do infeliz, ele começa a gritar, não com sua boca mas com sua laringe pois ela cortou as cordas vocais mas não cortou a aorta porque o punhal estava mal afiado, me cobrindo de sangue, ela ficou apavorada com o grito começou a tentar arrancar a cabeça do infeliz, os outros homens fugiram com a carroça e eu desmaiei com a cena bizarra em seguida. Acordei com Mary limpando meus cabelos que antes estavam cobertos de sangue, eu estava nua em seu colo e olhei para ela e ela sorriu para mim, todo o trauma passou em um segundo com um simples sorriso, dormimos agarradas um pouco para nos aquecermos e seguimos viagem.

Chegando em Londres, sem dinheiro e com fome procuramos algum lugar para nos refugiar, até conhecermos Lady Caroline, ela já era uma senhora dona de uma pensão que acolhia meninas, ela gostava de ser tratada como Lady por que não queria assumir a velhice. Até mais tarde eu saber que aquilo de fato era um bordel. Fiquei apavorada com isso e logo comecei a arrumar as coisas para procurar outro lugar, Mary me pegou firme pelos braços e falou que eu tinha que ser forte e superar, aquela poderia ser a nossa chance de conseguir algo melhor pois vários Lords visitavam o bordel, mas quantas conseguiram o estrelato vindo de tão baixo? Não queria ferir os sentimentos de Mary e logo começamos a "trabalhar".

Juntávamos os trocados que nos restavam por um ano e deixávamos escondidos nas fronhas dos nossos travesseiros, Lady Caroline não deixava as garotas acumularem dinheiro, todo o dinheiro ali dentro era dela, mas precisávamos. Até que ela me vê pegando dinheiro do esconderijo e o tomou de imediato e vasculhou o quarto de todas procurando no mesmo esconderijo, várias garotas perderam suas economias e esperanças por minha causa, até o meu amor Mary. Mas Mary teve uma reação que eu não esperava, ela arrumou todas as coisas, as minhas também, me pegou pela mão e me levou embora apressada, até então parar, olhar bem nos meus olhos e me abraçar sorrindo, ela olha bem para os lados e puxa um saco cheio de dinheiro. Desconfiada eu olhei para ela e perguntei aonde ela conseguiu, então ela me falou que se eu não tivesse revelado o nosso esconderijo ela nunca saberia aonde era o esconderijo da Caroline, ou seja, a minha amada era mais esperta do que eu imaginava. Mas o dinheiro não durou muito, o absinto e o ópio começou a nos acompanhar nessa viagem, a noite virou nosso espetáculo e as calçadas os nossos palcos. Mas para mim o que importava de fato eram os seus braços, eu sinto muito Mary.

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