Logo no dia seguinte fui atrás de fazer perguntas para as pessoas que Célia tinha mais contato. Ela trabalhava de diarista, duas vezes por semana ela limpava a casa de um advogado rico e famoso, outros dois dias ela dividia entre clínicas de médicos e, por fim, ela tirava um dia por semana para limpar jazigos no cemitério municipal, no qual ela era contratada por algumas famílias para mantê-los limpos, já que não tinham tempo de cuidar.
Comecei falando com o advogado e sua família, depois fui com os médicos e por fim com as famílias donas dos jazigos. Não obtive sucesso nenhum, ela era realmente muito querida por todos, não tinha mesmo o porquê de alguém fazer mal a ela ou dela tentar se matar.
Após alguns dias de idas e vindas, fui até a casa de Agenor para contar que não encontrei nada de novo. Ele, choramingando, me disse que não entendia direito a situação, que estava sem rumo na vida. Fiquei triste em vê-lo naquele estado e disse que iria fazer mais uma investigação, afinal, eu esqueci de conversar com o zelador do cemitério e com os guardas que lá trabalhavam.
Após uma conversa com eles e não encontrar nada que pudesse ser uma luz na investigação eu dei o caso como encerrado. Algumas semanas depois, seu Agenor me telefonou, disse que estava tendo seguidos pesadelos em que uma fera atacava Célia com brutalidade e que não conseguia mais dormir direito. Preocupado, pedi quando que esses pesadelos tinham iniciado e ele me respondeu que foi depois de ler um tipo de diário dela, um caderno de anotações para ser mais exato.
No mesmo dia fui até a casa de Agenor para pegar o caderno, afinal ali poderia haver alguma informação importante. Perguntei o porquê dele não ter entregue o caderno para os investigadores da polícia. Ele respondeu que achou que não sabia que o tal caderno fosse de coisas pessoais de Célia, sempre achou que fosse algum tipo de livro de receitas.
Levei o caderno para casa e no dia seguinte antes de dormir eu comecei a ler. O que li foi o que me deixou intrigado com a situação. Depois que li eu devolvi para Agenor dizendo que em nada ajudou o que havia lá e então ele trancou o caderno em baú velho. Agenor algumas semanas depois veio a falecer de um ataque cardíaco.
Como não lembro palavra por palavra o que estava no caderno de anotações, eu irei escrever aqui com minhas próprias palavras o que Célia contava lá e por fim direi minha teoria sobre o caso, cabe a você acreditar nela ou não.
Até mais ou menos metade do caderno não tinha nada de interessante, eram alguns poemas que ela escrevia, uma ou outra reclamação de seus chefes por deixarem as coisas sujas demais e por ai adiante. Quando pensei em largar a leitura, ela menciona um gato preto, uma espécie de mascote dos guardas e do zelador do cemitério. Ela contava que não gostava do gato, que ele vivia sempre sujando os jazigos que ela limpava. Pedia sempre para o zelador arrumar alguém para adotar o gato, ele respondia que ia deixar o gato ali, afinal ele servia de distração para os guardas e ele.
Um certo dia, após o gato com as patas sujas de barro caminhar em cima da calçada de um jazigo, dona Célia deu um chute nele, um chute muito forte que fez o gato sair cambaleando, cada pouco caindo, sem conseguir caminhar direito. No dia seguinte assim que o zelador chegou no cemitério pela parte da manhã, ele encontrou o gato morto, deitado na frente da capela em que se rezavam as missas.
Dona Célia ficou triste e arrependida pelo que fez quando recebeu a notícia. Ela pensou em contar para o zelador que foi ela quem chutou e provavelmente matou o gato, mas não fez isso, sabia que jamais seria perdoada e que ele poderia contar para as famílias, acarretando em uma possível perca desse emprego.
Alguns dias depois, Célia começou a enxergar um gato preto seguindo ela, mas não era um gato qualquer, era o gato do cemitério, o que seria impossível sendo que ele já estava morto, mas ela jurava que era o mesmo. Contou para Agenor e para suas amigas que não deram muita bola para o que contava, apenas diziam para Célia que ela estava tendo alucinações.
Célia um dia decidiu bater fotos com seu celular toda vez que via o gato. Quando foi mostrar para as pessoas o gato não aparecia mais nas fotos.
Quando o caderno marcou a data de sua morte, Célia escreveu que o tal gato atacou ela de tarde no cemitério, na rua e por fim, em sua própria casa assim que ela chegou. Que havia arranhado ela nos braços e nas pernas, e que também ele já não tinha os mesmos olhos, os olhos estavam vermelhos, um vermelho sangue que quando ela os encarava parecia estar tendo uma visão do próprio inferno.
Essas foram as últimas coisas que Célia escreveu antes de morrer, mas, como eu disse acima, não tinha nada na autópsia de Célia, nem mesmo um único arranhão.
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Os Olhos Do Inferno
Short StoryUm corpo. Um mistério sem solução. O relato de um detetive particular sobre um caso sem resolução.