2 | O Construtor de Norwood

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DO PONTO DE VISTA do expert criminal, disse Mr. Sherlock Holmes, "Londres tornou-se uma cidade singularmente desinteressante desde a morte do falecido e pranteado professor Moriarty". "Não acredito que você encontrasse muitos cidadãos decentes que concordassem com isso", respondi.

"Bem, bem, não devo ser egoísta", disse ele com um sorriso, ao afastar sua cadeira da mesa do desjejum. "Quem ganha com isso é certamente a comunidade, e ninguém perde, exceto o pobre especialista sem trabalho, cuja ocupação desapareceu. Com aquele homem em cena, nosso jornal da manhã apresentava infinitas possibilidades. Muitas vezes era apenas o menor dos rastros, Watson, a mais débil indicação, mas o bastante para me dizer que o grande cérebro maligno estava lá, assim como os mais tênues tremores das bordas da teia nos fazem lembrar a aranha hedionda que se embosca no centro. Roubos triviais, assaltos insólitos, transgressões sem propósito — para o homem que possuía a pista, tudo podia ser integrado num todo conectado. Para o estudioso científico das mais altas esferas do crime, nenhuma capital da Europa oferecia as mesmas vantagens que Londres. Mas agora..." Deu de ombros, numa censura jocosa ao estado de coisas que ele próprio tanto fizera para produzir.

Na época de que falo, fazia sete meses que Holmes estava de volta e eu, a seu pedido, vendera meu consultório e voltara a partilhar os velhos aposentos em Baker Street. Um jovem médico, chamado Verner, comprara meu pequeno consultório de Kensington, pagando com uma relutância assombrosamente pequena o preço mais alto que eu me aventurara a pedir — um incidente que só se explicou alguns anos depois, quando descobri que Verner era um parente distante de Holmes e fora meu amigo quem realmente arranjara o dinheiro.

Nossos meses de parceria não haviam sido tão monótonos quanto ele declarara, pois constato, examinando minhas anotações, que esse período incluiu o caso dos documentos do ex-presidente Murillo, e também o episódio chocante do vapor holandês Friesland, que por pouco não nos custou a vida. Contudo, como sua natureza fria e orgulhosa era sempre avessa a qualquer coisa do gênero do aplauso público, Holmes me obrigou, nos termos mais severos, a não dizer mais palavra a respeito dele mesmo, de seus métodos ou de seus sucessos — proibição que, como expliquei, só agora foi suspensa.

Mr. Sherlock Holmes reclinava-se em sua poltrona após seu extravagante protesto, e desdobrava seu jornal matutino com pachorra, quando soou um violento toque da campainha, seguido imediatamente por uma batida oca, como se alguém espancasse a porta externa com o punho. Quando esta foi aberta, ouvimos uma corrida tumultuosa vestíbulo adentro, um tropel de passos rápidos na escada e um instante depois um rapaz de olhos arregalados e frenético, pálido, despenteado e palpitante irrompeu na sala. Olhou de um para outro de nós, e, sob nosso olhar de indagação, percebeu que nos devia algum pedido de desculpa por essa entrada pouco cerimoniosa.

"Sinto muito, Mr. Holmes", exclamou. "Não deve me culpar. Estou quase louco, Mr. Holmes, sou o infeliz John Hector McFarlane."

Fez o anúncio como se o nome por si só explicasse tanto a sua visita quanto os seus modos, mas pude ver pelo semblante impassível de meu companheiro que não significava mais para ele do que para mim.

"Aceite um cigarro, Mr. McFarlane", disse ele, estendendo sua cigarreira. "Tenho certeza de que, com seus sintomas, meu amigo dr. Watson aqui lhe prescreveria um sedativo. Tem feito tanto calor nestes últimos dias... Agora, caso se sinta um pouco mais tranquilo, eu gostaria que se sentasse naquela cadeira e nos contasse muito lenta e calmamente quem é o senhor e o que deseja. Mencionou seu nome como se eu devesse reconhecê-lo, mas asseguro-lhe que, além dos fatos óbvios de que é solteiro, advogado, maçom e asmático, não sei coisa alguma a seu respeito."

Conhecendo tão bem os métodos de meu amigo, não tive dificuldade em acompanhar suas deduções e observar os trajes desmazelados, o maço de documentos legais, o berloque na corrente do relógio e a respiração que as haviam sugerido. Nosso cliente, porém, fitou-o embasbacado.

A Volta de Sherlock Holmes (1905)Onde histórias criam vida. Descubra agora