13 | A Segunda Mancha

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EU HAVIA PRETENDIDO fazer de "A Granja da Abadia" a última destas façanhas de meu amigo, Mr. Sherlock Holmes, que comunicaria ao público. Essa minha resolução não se devia a nenhuma falta de material, uma vez que tenho anotações de muitas centenas de casos a que jamais aludi, nem foi causada por um interesse declinante da parte de meus leitores pela personalidade singular e os métodos únicos desse homem extraordinário. A razão real está na relutância que Mr. Holmes manifestou em permitir que eu continuasse a publicar suas experiências. Enquanto continuava exercendo a profissão, os registros de seus sucessos tinham algum valor prático para ele, mas desde que se afastara definitivamente de Londres e passara a se dedicar a estudar e a criar abelhas nos Downs de Sussex, a notoriedade passara a lhe parecer odiosa e exigiu peremptoriamente que seus desejos nessa questão fossem estritamente observados. Foi só quando o fiz ver que eu havia prometido que "A segunda mancha" seria publicada no momento certo, e lhe mostrei que seria apenas apropriado que esta longa série de episódios culminasse no mais importante caso internacional que ele foi algum dia chamado a investigar, que por fim consegui obter seu consentimento para levar finalmente a público um relato muito cauteloso do incidente. Se ao contar a história eu parecer um pouco vago em certos detalhes, o público compreenderá facilmente que há uma excelente razão para minha reticência.


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Foi, portanto, num ano, e mesmo numa década, que não citarei, que numa manhã de terça-feira, durante o outono, tivemos dois visitantes de fama europeia entre as paredes de nossa humilde sala em Baker Street. Um deles, austero, narigudo, com olhos de águia e autoritário, não era outro senão o ilustre Lord Bellinger, duas vezes primeiro-ministro da Grã-Bretanha. O outro, moreno, de traços bem delineados e elegante, que mal chegara à meia-idade e era dotado de todas as qualidades de corpo e mente, era o Right Honourable Trelawney Hope, secretário para Assuntos Europeus e o estadista que mais se destacara no país nos últimos tempos. Eles se sentaram lado a lado em nosso canapé, em meio aos papéis ali espalhados, e era fácil ver por seus semblantes exaustos e ansiosos que haviam sido trazidos por um negócio da mais premente importância. As mãos magras, cheias de veias azuis, do premiê seguravam com força o cabo de marfim de seu guarda-chuva, e seu rosto macilento e ascético olhava desanimado de Holmes para mim. O secretário para Assuntos Europeus puxava nervosamente o bigode e remexia na corrente do relógio.

"Quando descobri minha perda, Mr. Holmes, o que aconteceu às oito horas da manhã de hoje, informei imediatamente o primeiro-ministro. Foi por sugestão dele que viemos ambos vê-lo."

"Informou a polícia?"

"Não, senhor", disse o primeiro-ministro com o jeito vívido e decisivo pelo qual era famoso.

"Não o fizemos e tampouco é possível que venhamos a fazê-lo. Informar a polícia significa necessariamente, no final das contas, informar o público. Isso é o que desejamos particularmente evitar."

"E por quê, senhor?"

"Porque o documento em questão é de tão imensa importância que sua publicação poderia muito facilmente — eu poderia quase dizer provavelmente — levar a complicações europeias da máxima relevância. Não é exagero dizer que paz ou guerra podem depender disso. A menos que ele possa ser recuperado sob o mais rigoroso sigilo, tanto faz que o reencontremos ou não, pois tudo que aqueles que o levaram desejam é que seu teor seja do conhecimento de todos."

"Compreendo. Agora, Mr. Trelawney Hope, eu lhe ficaria muito grato se me contasse exatamente as circunstâncias em que esse documento desapareceu."

"Isso pode ser feito em muito poucas palavras, Mr. Holmes. A carta — pois tratava-se de uma carta enviada por um potentado estrangeiro — foi recebida seis dias atrás. Era de tal importância que nunca a deixei no meu cofre; levava-a todas as noites para minha casa em Whitehall Terrace e mantinha-a no meu quarto num estojo de documentos trancado. Estava lá ontem à noite. Disso eu tenho certeza. Abri de fato o estojo quando estava me vestindo para o jantar e vi o documento lá dentro. Esta manhã, tinha desaparecido. O estojo havia permanecido junto do espelho em minha penteadeira a noite toda. Tenho sono leve, minha mulher também. Ambos podemos jurar que ninguém entrou no quarto durante a noite. Apesar disso, repito que o papel desapareceu."

A Volta de Sherlock Holmes (1905)Onde histórias criam vida. Descubra agora