2.iniv

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Eu o conheci quando ainda era uma criança.

Quando os meus olhos começaram a vê-lo finalmente, eu era uma criança em sua última fase de criança.

Ele era do tipo engraçado. Aquele que todos já esperam, naturalmente, que faça uma graça para arrancar sorrisos de todos. E era o que ele fazia.

Dessa forma, as pessoas do nosso círculo de pessoas apenas o enxergavam, mas não o viam de fato.

Talvez até eu.

Não me lembro o ponto exato em que minha alma despertou-se pela dele. Lembro que quando dei por mim, ele já era minha pessoa favorita.

Logo aprendi a amar - digo amar porque algo na inocência do final da minha infância me diz que era amor, genuíno - cada fator que lho compunha. O seu sorriso, a cor da sua pele, a sua altura e os seus olhos.

Havia algo de diferente nele.

Eu sabia.

Ele possuía uma liberdade avassaladora e discreta dentro dele que os demais não possuíam.

Eu não me posicionava em nenhum dos lados.

A minha pouca vivência de doze anos não me permitia identificar o que era aquele brilho de coisas não ditas em seus olhos.

Só agora entendo.

Fui informada de que de alguma forma - que nunca cheguei a conhecer - meu sentimento de paixão infantil era compartilhado por ele.

Sobrevivíamos de olhares, sorrisos e pequenos gestos e indiretas. Era o suficiente para nós dois.

Situação que durou alguns anos de idas e vindas e alguns conflitos que quase custaram amizades.

Me lembro desse dia específico.

Ele era livre de maneira única e nunca na vida disse de forma alguma que dedicaria seus sentimentos somente a mim.

Eu, que possuía certo egoísmo no peito, entrava no desespero sempre que ouvia boatos dele com alguma garota.

Não me culpem. Ainda hoje, em lapsos, quereria aquele sorriso e aqueles olhos apenas para mim.

No dia em que quase perdi a tal amizade, foi como se pudesse ouvir o sussuro do próprio universo.

"Hoje, todos os sentimentos dele são dedicados a você."

Naquela manhã em que todos se puseram ao lado da tal amizade, eu me vi com o abandono e a minha solidão.

Lembro de não ter sido atingida na proporção de força que a situação exigia.

Mas ainda agora, posso sentir o calor da sua companhia e o timbre da sua voz dizendo algo como eu não sabia que isso ia acontecer, mas tudo bem, a gente não precisa ser convidado pro aniversário dela, a gente pode fazer outra coisa.

Ainda sinto o calor em meu peito de quando li a sua mensagem se ela quiser ficar com raiva, o problema é dela, mas todo mundo sabe que eu sempre gostei de você.

Você não tem ideia de como eu te amei ainda mais quando li aquilo.

Com o tempo, ele foi ficando distante.

No final daquele ano ele foi embora.

E o fez com todo o apoio da sua liberdade. Sem avisar a ninguém.

Aquela foi a pior manhã de que consigo me lembrar.

Eu chorei. Chorei muito. Chorei como a criança que eu era. E chorei à noite. E na noite depois daquela.

Quando finalmente consegui olhar a situação com outros olhos, eu escrevi a minha primeira poesia.

Você é o meu artista.

Pouco mais de um ano depois, o universo o colocou em meu caminho e o destino armou nosso encontro em uma tarde.

Seus olhos não possuíam a mesma intensidade do calor para comigo.

Apenas uma pequena chama de lembrança brilhava bem ao fundo. Era preciso olhar cuidadosamente para vê-la.

Mais um ano depois foi a próxima vez que o vi de novo.

A última.

Ele era já completamente diferente.

A pessoa incrível que se tornou transcende. Toca blues e tudo.

Eu amo blues.

Se juntou com a sua liberdade e são agora o par mais bonito.

Hoje, vez ou outra, ele visita meus pensamentos.

Penso que se tivéssemos ficado juntos, teríamos sido incríveis.

E acredito nisso.

Teríamos aprendido a ser incríveis um com o outro. E compartilharíamos cada pequena ou grande conquista.

Agora sei que eu tinha todo o meu amor em estoque reservado a ele. Mas nunca aprendi como faria para que ele o tivesse.

Ainda amo o seu sorriso e a cor da sua pele.

zahir. Onde histórias criam vida. Descubra agora