Já faz quatro dias que as chuvas pararam. Os mais impacientes já haviam se mudado para os seus quartos logo no primeiro ou segundo dia, mas muitos estavam esperando para ter um pouco mais de segurança de que não seriam pegos, no meio da madrugada, por uma pancada de chuva repentina.
A volta do calor era um problema para esse corpo, acostumado às nuvens de Seattle, mas eu estava feliz por não precisarmos mais dormir todos no mesmo lugar. A falta quase total de privacidade tinha seu preço e já estava pesando para todos. Os casais mal se tocavam, um simples olhar já podia gerar faíscas quando não se pode ter um minuto a sós.
Faíscas de outro tipo também voavam aqui e ali. Todos estavam irritadiços e qualquer coisa era motivo para desentendimentos banais. Essa atmosfera era opressiva para mim.
Entretanto, ainda mais opressivo que o calor ou a irritabilidade dos meus amigos, era o desejo permanente e caudaloso que corria pelas minhas veias. Era parte de mim agora, natural e urgente como meu próprio sangue. Esse corpo adolescente, mais jovem e imaturo que o de Melanie era constantemente tomado de desejos conflitantes e emoções com as quais eu estava apenas aprendendo a lidar. A pior delas era a timidez incapacitante que tomava conta de mim todas as vezes que Ian me olhava, mesmo que eu quisesse desesperadamente estar perto dele o tempo todo.
E ele me olhava muito nesses dias, com um misto de ansiedade, preocupação e urgência. E cada vez que isso acontecia, eu sentia meu corpo todo queimar. Foi por isso que quando ele me disse: “Peg, vamos voltar para nosso quarto?” - com ar atarefado, enquanto organizávamos nossos materiais de trabalho daquele dia - eu simplesmente respondi: “Sim, por favor”, sem olhar diretamente para ele, seguindo a deixa de que aquilo não significava nada de mais. Durante o resto daquele dia, andamos sempre juntos, inclusive durante a pequena pausa que nos demos depois do almoço para organizar nossos pertences e levá-los de volta para o quarto, mas nos falamos pouco e eu não encontrei os olhos dele nem uma vez.
Eu sabia que ele estaria me olhando, cheio de expectativa, tentando adivinhar meus pensamentos, sofrendo por não conseguir fazê-lo, pensando em como tornar as coisas mais fáceis para mim. Eu não suportava a ideia de estar causando isso a ele, tudo me deixava frustrada, mas eu simplesmente não conseguia reagir de outra maneira. Meu rosto ardia cada vez que sentia seus olhos de safira sobre mim.
Foi por isso que Melanie, que já tinha se mudado para o quarto com Jared logo no primeiro dia de estio, me pegou pela mão depois do trabalho enquanto íamos para a sala de banho e ficou jogando conversa fora, parecendo ensaiar para dizer algo que ela achava realmente importante. Eu não a pressionei, na verdade não estava ansiosa para ter nenhum tipo de conversa importante naquele dia, fosse qual fosse. Mas enquanto estávamos no banho, ela de repente conseguiu:
– Peg, acho que você precisa de conselhos de sua irmã mais velha.
“Ah, não, não, não”, pensei, adivinhando que Mel achava que deveria ter “a conversa” comigo. Tentei desviar o assunto:
– Minha irmã você é, mas "mais velha"? Você sabe tão bem quanto eu o quanto já vivi.
– Eu sei, mas nesse corpo em que você está, nesta sua décima vida, você é quase uma criança. Tem certas coisas que você precisa saber – ela disse em tom cúmplice e brincalhão
– Mel, você se esquece que sou tão experiente quanto você? Eu me lembro de tudo o que você se lembra.
No mesmo instante em que disse isso me arrependi, sabendo que Mel não queria ser lembrada que eu tinha compartilhado todas as suas lembranças com Jared e até seus sentimentos. Ciúme, raiva e desconforto passaram sucessivamente por sua expressão, mas ao ver meu rosto arrependido, ela voltou a se focar em mim, mesmo que o ar zombeteiro tivesse sumido completamente de seu semblante:
– Lembrar... saber... não é a mesma coisa que... - ela hesitou um momento procurando a palavra certa - ...experimentar – disse finalmente, aliviada e orgulhosa por ter conseguido colocar as coisas em termos suaves.
– Mel, você não precisa se preocupar comigo. Sei que será... diferente. Mas me sinto preparada para ter experiências só minhas desta vez.
Isso pareceu deixá-la feliz. Sei que ela sabia que seria um passo decisivo para que eu superasse qualquer resquício de paixão que eu tivesse por Jared. Ter minhas próprias experiências de certa forma nos afastava, eu não estava acostumada a não compartilhar tudo com Melanie. Mas, por outro lado, nos unia, eliminando o único desconforto que havia entre nós. Melanie não tinha mais ciúmes de minha relação com Jamie. Assim como ele, ela me abraçou como uma nova irmã. Ela também não se importava que alguns nas cavernas gostassem mais de mim do que dela, até porque aquelas foram amizades que eu conquistei. Ela até gostava que Jeb nos tratasse a ambas, por igual, como parte de sua família. Mas Jared... Bem, esse era um ponto dolorido. E quanto mais eu andasse na direção dos braços de Ian, mais longe eu estava de magoá-la. Eu tinha certeza que foram exatamente esses pensamentos que passaram pela mente que compartilhamos por tanto tempo, tanto é que, depois de alguns segundos com o rosto tenso, o semblante dela se suavizou e ela me beijou na testa e me abraçou protetoramente. Com um suspiro, ela disse apenas:
– Fico feliz então.
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A Hospedeira - Depois da Chuva
FanfictionDepois de vários dias dormindo na sala de jogos, Peg teme mas ao mesmo tempo anseia por um pouco mais de privacidade com Ian. Ficamos sabendo um pouco mais sobre a história de Ian, sobre como foi para Peg estar em um novo corpo e sobre como ficou su...