Naquele dia, foi o pé direito de um par de All Star sujo dentro da geladeira, escondido atrás da caixa de leite light, que fez Sam despertar de seu sono grudento. No anterior a este foi sua irmã transando no quarto ao lado com um cara duas vezes seu tamanho, o que de fato não é grande coisa. De qualquer forma, os gritos dela ainda o atormentava no presente. E no dia anterior a este, ele tinha passado a noite inteira acordado devido a insônia. Com isso concluímos que Sam não era um cara feliz. Não mesmo.
Esbravejou uma dúvida:
— Quem diabos botou meu tênis aqui?
Agora, com seus sentidos um pouco mais aguçados, escutou a água do chuveiro embalada com alguém cantarolando alguma música absurdamente teen, que por sua vez significa chiclete. Presumiu ser sua irmã no banho, com quem dividia o apartamento. Ambos estavam numa cidade universitária, custeados por seus pais.
Ele não obteve nenhuma resposta, mas chegou ao ponto de admitir para si mesmo que era retórica, pois sabia exatamente quem tinha feito aquilo. Nessa linha de raciocínio, pegou o gélido tênis da geladeira e o jogou no seu quarto sem qualquer tipo de resistência.
Encaminhou-se para a sala do computador, ligou seu pc gamer e usou-o para o que foi projetado para fazer.
Tinha se tornado uma espécie de rotina.
Dentro do jogo, elevaria a classe de sua mascote, um dragão, hoje era seu poder de ataque, para com o novo status ganhar uma habilidade. Depois faria um dos eventos diários que o premiaria com uma alta quantidade de ouro, possibilitando a ele fortalecer seus equipamentos no ferreiro para facilitar sua vida nas dungeons com seus parceiros da guilda. Passaria suas horas assim, até então finalizar batalhando no PVP (sigla para Player versus Player) do jogo. O problema se encontrava no choque de horários.
— Você não vai para a faculdade hoje? – perguntou sua irmã, Sara, enquanto usava o secador em seus longos cabelos castanhos. O barulho normalmente o chatearia, se não estivesse com fones de ouvidos.
Ela teve que cutucá-lo pelos ombros para chamar sua atenção. Não adiantou, estava bastante absorto, o que a fez persistir ao ponto de retirar os fones de seu irmão, mas o mesmo continuou vidrado. Conseguiu alguma reação, ao menos.
— O que foi, Sara? – disse o praticamente zumbi
— Hoje você tem faculdade, deixa isso daí pra depois.
Ignorou. Isto porque o garoto rank 17, conhecido no seu jogo como "O Dragonslayer de Prata", tinha uma boa razão para fazê-lo. Iniciava com uma pergunta: Por que diabos estava indo a faculdade?
Tinha analisado o sonho americano centenas de vezes. Partia da premissa de que uma pessoa tem que estudar bastante, o suficiente para entrar numa boa faculdade, num excelente curso que irá trazer uma profissão da qual goste, em especial aquelas que deem dinheiro. Depois, a mesma pessoa acabará por casar e ter filhos, não exatamente nessa ordem, e, com graciosidade, sentir orgulho da grande dádiva da vida. No restante que sobrasse de sua juventude, gastaria com viagens, produtos caros e dedicação para a família e o trabalho, esse último em maior quantidade. No fim, morreria e, se tivesse sido uma boa pessoa em vida e acreditasse em um Deus, iria ter a vida eterna ou reencarnaria, de acordo com a propaganda da religião que tal pessoa frequente. Então, novamente, pra que diabos estava indo a faculdade?
Tudo era mais fácil em um jogo. Era simples, mas grandioso. O primeiro passo era encontrar um sensei, de preferência asiático de bigodes longos e brancos, para ensinar sobre as artes e segredos do ninjutsu, manusear uma katana e destruir um vilão com tendências insanas. Bem, ao menos isso se assemelhava com Ninja Gaiden. A vida, para Sam, era somente um jogo ruim. Muito ruim.
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Celest
Teen FictionHá muito tempo atrás, na aurora do mundo, a sociedade humana erguia um monumento ao céu, onde se guardava toda a sabedoria uma vez adquirida por sua espécie em um só lugar, se aproximando aos poucos de Deus. Insatisfeitos com o rumo da humanidade, a...