"Cartas"

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Mais uma carta. Será que não te cansas?
Mais uma declaração. Porque é que ainda não desististe de mim?
Guardo tudo o que me envias numa caixinha que comprei numa feira de velharias. Penso que é super adequada às cartas que me mandas: são um modo tradicional de comunicar, e já mas envias há algum tempo.
Assim como nas outras 364 cartas que me enviaste, não revelaste a tua identidade, mas é como se eu te conhecesse desde que nasceste.
É verdade, nunca me dei ao trabalho de te procurar, de saber quem é o autor destes lindos manuscritos que me são enviados, dia por dia, mês por mês, ano por...
Esperem, eu disse 364 cartas?! Isso significa que hoje é a 365° carta que me deixas na caixa do correio.
Apresso-me a colocar os óculos e a sentar-me na poltrona da minha sala, não calmamente como nos outros dias do ano, mas frenéticamente, abrindo logo o envolpe, sem me importar se o rasgar.
"Bom dia, flor."
(Ele sempre me tratou assim.)
"Hoje, ou seja ontem, vi-te um pouco triste a cirandar pelo parque da cidade. As saudades da tua família apertam?"
(Será que ele é um psicopata? Porque ele sabe tudo sobre mim, e eu sei dele o que ele me conta.)
"Não te preocupes, não sou nenhum psicopata, sou apenas um amigo preocupado. É verdade que eu gostava de ser mais do que um amigo 'invisível', mas penso que te irias surpreender quando soubesses quem eu sou e   nunca mais irias querer falar comigo. Sim, eu sei que falas comigo, eu também falo contigo, a única diferença é que tu não sabes o que eu respondo ao que tu dizes sobre mim, porque nunca o faço nas cartas que te mando.
Eu sei que queres saber quem eu sou, e vais saber. Sei que o ano tem 365 dias, e esta é a 365° carta que lês da minha autoria.
Mas sabes uma coisa?!
Este ano é bissexto."

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