Do lado de fora do mercado, exatamente do outro lado da rua, uma criança brincava com seu pai enquanto esperavam um ônibus. A cena deveria ser rotina para eles, assim Laura pensava. Com a mão no queixo ela via vidas passarem na sua frente, e ficava imaginando toda a história por detrás daquele momento. Às vezes pensava no seu passado e questionava qual cena as pessoas viam quando olhavam para ela, e em qual categoria se encaixava.
"Acho que drama seria a categoria perfeita para mim", pensava.
Laura mantinha contato - não tão frequente - com a mãe por telefone, normalmente falavam sobre um possível retorno da filha para a casa, perguntas sobre algum namorado, mas com o pai ela só falava no dia do aniversário ou ano novo. O relacionamento foi apenas se desgastando. Sem uma briga explosiva, sem uma atitude impulsiva ou uma gravidez na adolescência. Apenas um pai conservador tentando domar uma garota que tinha um espírito livre. Ela acabou voando.
Sua família nunca soube dos apertos que passava, dos empregos que conseguiu que só lhe permitia pagar as contas e não ser despejada. E de quantas vezes ela fingiu ir almoçar fora para os colegas não descobrirem o que estava acontecendo. Desde a mudança ela nunca recebeu visita da família e nunca pôde visitá-los. Sentia vontade de voltar para o abraço da mãe, para as tardes com amigas de infância. Ela sabia que aquela fase passaria. E foi isso que sustentou-a de pé. Normalmente é assim: desliga-se o botão do presente e mantém o foco no futuro.
O sábado arrastou-se sem Hanah por perto. O trabalho parecia ainda mais cansativo e sem graça. Olhou seu relógio de pulso. A sensação que tinha era que as últimas duas horas de expediente se alongavam por seis horas. Os clientes por sua vez, achavam que garota do caixa significava poço de paciência. Alguns descarregava sua raiva sobre o aumento dos preços, outros queriam fazer a compra do mês e pagar depois. No entanto, existiam alguns que enchiam o coração da Laura de esperança. Um deles era a Michelle. Uma senhora cheia de personalidade e força. Pedagoga desde quando tomou juízo, dizia ela.
— Sabe, Laura... Gostaria que todos seguissem seus sonhos. — disse ela.— Não só porque quero o bem de todos e todo esse discurso melodramático. Mas cá para nós, é bem mais útil um policial sendo policial do que sendo um meliante, entende? As coisas começam a se encaixar e o universo agradece.
— Se a senhora acha, eu certamente concordo! — As conversas nem sempre tinha uma preliminar condizente. Essa era a Michelle.
— Me diga, qual seu sonho Laura? — Disse enquanto empacotava suas compras.
— Eu não sei ao certo, Michelle. Acho que ser milionária é um bom sonho para perseguir, não é? Afinal, pense na tragédia que é ser pobre quando eu deveria ser rica.
Michelle riu, concordando em parte com a lógica da garota do caixa. Elas se despediram e Laura arrumou seus pertences. Seu horário de trabalho finalmente havia terminado.
***
Nos dias que seguiram, Mel se tornou mais frequente no caminho do mercado, com sua cesta de flores na mão, enchia aos poucos aquele bairro de cores.
E foi em um desses dias, no horário de descanso da Laura que a amizade começou a ser semeada. O cenário era a praça do Areal, não muito longe do mercado. A maior parte era coberta por árvores que sempre davam sombra, seja para um coração cansado ou casais apaixonados. Pequenos canteiros espalhados davam um ar romântico e um cheiro agradável.
— Moça, quer comprar uma flor?
Laura ainda saboreando seu almoço, levantou seus olhos em direção a menina.
— Oi de novo! — Tentava sorrir enquanto comia. — Acho que hoje não vai dar, gastei o dinheiro da flor com meu almoço.
Voltou sua atenção ao que fazia, porém, percebendo que a jovenzinha não havia ido embora, ela questionou o motivo daquele olhar cético em sua direção.
— Nada não. Quer dizer, esse é seu almoço?
Laura confirmou rindo enquanto Mel sentava ao seu lado no banco. Ela até se ofereceu para pagar uma refeição decente. Afinal, aquilo para ela era só um sanduíche.
— Quem te manda vender essas flores? — perguntou enquanto engolia o último pedaço — Você sabia que a pessoa pode ser presa? Você é uma criança, tem que brincar, isso sim!
Mel então discorreu o motivo de sair sozinha vendendo. Desde quando se entende por gente ela gostava de jardins, as flores lhe encantavam e pareciam entendê-la nos dias bons e maus.
"Você acredita que um dia eu estava triste e uma das flores ficou "murchinha" parecendo um maracujá velho?" Ela contou. Assim que chegou naquela cidade fez amizade com o vendedor da floricultura mais próxima e pediu para vender suas flores.
— Não foi difícil convencer ele — afirmou balançando os ombros —. A dona Joice é muito querida e está passando por aperto. Ela nem sonha que eu vendo essas flores. Eu deixo a cesta na floricultura antes de voltar para casa.
O olhar de Laura sobre a menina era um misto de emoção e inveja. Nem todo mundo conseguia acreditar que um passo tão pequeno poderia trazer resultados. Ela se lembrou do seu passado, de quantas vezes desistiu sem nem tentar pela dúvida e medo. O fracasso era um adversário tão temido que ela — assim como tantas outras pessoas — nem se permitia entrar no ring. Às vezes algumas perguntas a atormentava. Se ela não tivesse desistido do seu sonho? Ou se ela não tivesse se mudado? Se ela tivesse encarado o pai e todos os seus dilemas entre ter uma carreira "comum" e ter seguido suas próprias ambições. A vida não deveria ser feita de arrependimentos, pensava. Mas na sua vida aquilo era o que mais existia.
— Você é única, garota. — Disse saindo do seu transe momentâneo.
— É, eu sei! E pode me chamar de Mel.
— Ta bem, Mel. Agora tenho que ir antes que a coruja resolva voar pra cima de mim.
Laura caminhou apressadamente de volta ao seu trabalho, deixando Mel cheia de curiosidade quanto a tal coruja.
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Florescer *DEGUSTAÇÃO"
RomanceA vida adulta é como brincar de batata quente, quando cai em sua mão você não pode passar a responsabilidade para outro. Florescer conta a historia de Ana Laura Oliveira, uma jovem que depois de ter voado da casa dos pais não percebe que ainda vive...