Prólogo

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<> RASTRO DE SANGUE <>

    - Rick? Rick? Acorda... - disse ela, encolhendo-se junto ao peito do esposo e lhe socando levemente o tórax.

    - Oi - respondeu ele, sonolento.

    - Ouviu alguma coisa, querido?

    - Não. Volte a dormir, vamos, amanhã é segunda.

    - Rick, mas eu ouvi um barulho estranho no jardim, pode haver algum ladrão.

    - Talvez seja só o Tobby perseguindo um gato - disse ele, correndo a mão pelo rosto dela.

    Então, logo se pôde ouvir o som de pancadas nas paredes da frente da casa.

    - Nosso cachorro nunca teria tanta força assim! Por favor, vá olhar o que está havendo! - Ela sussurrou, escandalizada.

    - Tudo bem, tudo bem, mas se nós nos atrasarmos, a culpa não será minha.

    Alguns segundos depois dele colocar sua calça, ir à porta e descer as escadas, um longo silêncio se fez.

    Um minuto, dois minutos. O tempo foi passando. Pela curiosidade, ela atreveu-se a pegar o celular. Logo que o alcançou, enroscou-se nas cobertas.

    Eram 2h22min. O celular também mostrava que fazia 19°, porém, separada do calor de seu cônjuge e estando quase despida, o frio pairava sobre seu corpo. Lhe seria prazeroso, se não lhe aumentasse a tensão.

    Logo após encolher-se ainda mais, o som de um forte golpe contra a porta novamente se fez. Seu coração disparou.

    "Devo chamá-lo? Devo ir ver o que houve? Calma. Possivelmente ele apenas tropeçou e caiu", pensou ela, antes de ouvir grunhidos, provavelmente, dele. Logo, levantou-se, segurou o celular com a boca, pegou a tesoura que estava na mesa ao lado da cabeceira da cama por entre os dedos e abriu a porta.

<> × <>

    O gélido e forte vácuo que entrou lhe cercou, abraçando-a como se lhe alertasse de algo. Mesmo assim, apenas seu marido estaria lá, então isso não lhe importava. Pelo menos era o que ela esperava.

    Atentamente ela se concentrou em escutar a sequência de sons vindos da entrada da casa enquanto sentia o frio piso de madeira agarrar seus pés.

    Não teve a ousadia de acender as luzes, mas se arrependeu quando seu celular descarregou em suas mãos.

    "Merda, esqueci de pôr pra carregar", decidiu que virar as costas e voltar-se ao interruptor seria uma má ideia. Ela era fiel às paranoias que possuía.

    Dois cômodos antes de chegar na entrada os sons cessaram. Tudo caiu em luto. Havia apenas uma respiração ofegante e cansada. A dela mesma.

    Estava próxima do armário onde guardava seu revólver, então, pôs a mão sobre seu peito. Tocou-o, mas sua chave não estava lá, então lembrou-se de que havia a tirado para dormir. Amaldiçoou mentalmente sua sorte, se virou, trocou a tesoura por uma faca de carne que estava sobre a mesa e abriu a segunda porta.


<> × <>

    Na sala também não havia nada de estranho. Atreveu-se a olhar à escuridão detrás de si com o canto dos olhos, logo voltando a entorpecer-se de medo e desviar o olhar.

    Mas afinal, onde estava Rick? Até mesmo sua voz calou-se, e imaginá-lo morto não era um bom pensamento naquele momento. Ambos eram policiais, não havia um porquê para ele ter sido assassinado por um mero ladrão de residência ou por um bêbado desorientado.

    Logo que se recompôs, encheu-se com um pouco de coragem e foi em direção à porta, porém não exatamente para ela, mas sim com a intenção de acender as luzes, pois um outro interruptor ficava ao lado. Ao se aproximar, ouviu a maçaneta girar. Recuou dois passos e não se conteve em pronunciar:

    - Rick? É... é você?

    Porém, a resposta não veio. A porta abria lentamente. Uma mão apareceu segurando-a. Logo, um pé. Então, toda a porta já se abrira.

    Era um homem alto, branco e esbelto, por mais que possuísse um corpo relativamente forte. Ele andava friamente em sua direção.
"Isso só pode ser um sonho", disse ela a si mesma, negando-se a aceitar o que via.

    Clint Jones, pedófilo e sequestrador. Preso havia treze meses. Encontrado enquanto era espancado em sua cela por cinco outros detentos. Ela o tinha visto morto naquele dia... afinal, fora uma das primeiras a chegar no local e ver o grande corte em seu peito e os hematomas por todo o corpo. Não havia como ele estar ali, de pé. Aquilo havia acontecido três semanas atrás, porém, ele estava ali, na sua frente, com um mero alicate na mão. Bem, mas ainda estava escuro, poderia ser coincidência, não é mesmo? Talvez fosse outra pessoa...

    Bem, sim, se ela não tivesse visto a cicatriz em seu peito dentre a blusa aberta. Ela tomou a única decisão que lhe pareceu sensata.

    - Abaixe isso! Não quero te machucar.

    - Foi quase a mesma coisa que aquele moço me disse a uns segundos atrás - Deus! Aquela voz seca e nojenta poderia ser reconhecida a quilômetros daqui! - Agora, gracinha, preciso ser rápido, não pretende acabar logo com isso? - disse ele, avançando para cima dela.

    - Isso já está acabado - rebateu ela, quando segurou o golpe dele com sua mão livre e socou sua costela com a que segurava a faca. Porém o corpo dele estava brutalmente rígido.

    - Ah, que pena... machucou sua mãozinha? - disse, com escárnio.

    Logo, ela aplicou-lhe um golpe com seu joelho dentre suas pernas, fazendo-o curvar o corpo. Pelo menos aquele ponto continuava bastante frágil. Ela torceu o braço dele para trás, que o fez soltar o alicate, puxou-o e segurou-o de costas, com a faca em seu pescoço.

    - Não se mexa, ou eu mesma vou garantir que você morrerá desta vez.

    - Morrer? - disse, segurando ele mesmo a mão dela e pressionando ele mesmo a faca em seu próprio pescoço, fazendo jorrar linhas de sangue pelo peito. Ela ficou tão abismada com essa reação que perdeu a concentração na força que deveria exercer, permitindo-o que saísse de seus braços.

    Ela puxou a faca novamente para perto de si em posição defensiva e aplicou uma estocada em direção a clavícula dele, que, porém, posicionou o braço, fazendo-o de escudo, permitindo que faca o atravessasse.

    - Como isso é possível? - murmurou ela.

    - Vocês humanos são tão excitantes! Tão frágeis! Tão sensíveis! É uma pena que não haja outra maneira de fazer isso, desculpe.

    Naquela noite houveram mais gritos... e depois, mais silêncio.

Inanis, Dentro De NósOnde histórias criam vida. Descubra agora