Para Onde Eles Foram?

MÃE • I

Novamente me sentei com tudo na cama, mas dessa vez não fiz escândalo, apenas tampei o rosto com as mãos e chorei silenciosamente.

- Dê um tempo a ela - ouvi uma voz familiar dizer calmamente.

Levantei a cabeça, Mike estava sentado ao meu lado.

- Despachei a enfermeira - me disse casualmente enquanto colocava um jornal de lado - acho que ela estava pronta pra te dar outra injeção.

Ele estava fazendo aquilo​ de novo. Ignorando o problema. Mike tem duas maneiras de resolver problemas: Ignorando-os completamente de maneira que parece até que não se importa, ou indo direto ao assunto de maneira que parece até indelicado. Em um primeiro momento, grata por ele ter escolhido a primeira opção. Apesar de que eu não consigo ignorar a dor que sinto no peito, do mesmo jeito que ele consegue evita tocar no assunto.

- Bom dia dorminhoca! - ele tentou continuar sorrindo.
- Não que eu tenha dormido por vontade própria - tentei ser ríspida, mas enquanto abria a boca pra falar me lembrei de que ele não tinha culpa e que não seria justo tratá-lo mal, já que foi a única pessoa que estava ao meu lado quando acordei.

Olhei pra ele e vi que estava meio perdido, como se não soubesse o que me falar, seu olhar mostrava alívio e dor, creio que está aliviado por eu ter acordado, apesar de eu mesma não estar, e triste porque bem... Ele amava Sophia como uma filha. Minha filha... Sinto um tremor por todo o meu corpo.

- O que aconteceu Mike? - pergunto com voz fraca.
- Eliana, você acabou de acordar de um coma, concentre-se em recuperar suas forças - ele engoliu saliva. E eu ignorei totalmente seu protesto.
- Quanto tempo fiquei apagada?
- Três semanas. Durante esse período teve quatro hemorragias, precisou de seis transfusões de sangue e fez duas cirurgias.
- Sophia...? - ele virou o rosto - É verdade? Por favor, acabe logo com isso!
- Eu sinto muito - foi a sua resposta.
- Eu não devia ter acordado- as lágrimas rolam.
- Não diga isso Eliana, sei que Sophia era tudo pra você, mas você também é o tudo de outras pessoas, você desejaria que essas pessoas sentissem o que você​ está sentindo? Hey, olha pra mim - ele segurou meu rosto - Você vai conseguir se livrar dessa dor, eu estou aqui com você, juntos vamos voltar a ser feliz.

Ele me abraçou, "juntos vamos voltar a ser feliz", como poderia ser tão egoísta? Não é só eu que tive uma perda, Sophia tinha amigos e família...

- Mais alguém se machucou? Como ficaram as coisas? - disparei perguntas.

Ele não me respondeu, olhou no relógio de prata em seu pulso, olhou para a porta, se levantou e me disse:

- Eu queria muito ser a pessoa que lhe dará a notícia, mas a situação é delicada e eu prometi que não o faria. Já está na hora do meu plantão, tem outra pessoa esperando para falar com você, peço pra ele entrar assim que eu sair. - ele se inclinou e beijou a minha testa - Volto assim que terminar no serviço.

Dito isso ele se retirou, e o meu coração quase saiu pela boca quando vi quem entrou em seguida. Valter, meu... Meu o que? Marido? Ex-Marido? A única certeza que tenho é que ele ainda é o pai de minha filha.

Ele ficou parado a alguns passos de distância da cama, sem jeito, me encarando, quase senti como se ele preferisse que eu não tivesse acordado ainda, não porque queria que eu tivesse morrido, mas porque ele é péssimo em encarar as pessoas para resolver problemas. Evitou falar comigo sobre o divórcio ao máximo, motivo pelo o qual gastei meses brigando na justiça para que ele assinasse os papéis. Em um determinado momento de nosso relacionamento começamos a resolver os problemas na base da discussão, pois só conseguíamos resolver as coisas se eu o confrontasse e isso gerava brigas.