CAPÍTULO I
ETHAN
Há cura para a monstruosidade de alguns seres humanos? Pessoas boas podem se transformar em grandes monstros? Seria possível as ruins se redimirem por completo? Alguns nascem com o potencial para a atrocidade, outros, são moldados negativamente pela vida, e alguns — como eu —, são obrigados a se tornarem um perigo para a sociedade, moldados pelas mãos de quem lhes agride.
Essas são as palavras escritas no meu caderno de anotações e rodam na minha cabeça como questionamentos, enquanto ouço Átila, meu genitor — é a forma como o defino faz alguns poucos anos, por passar a considerar que a palavra "pai" tem um significado mais simbólico do que existencial —, dizer o quão foi fácil matar os dois filhos do senhor Almeida — seu competidor político. E como fui bem ao fazer meu "trabalho".
Estou com vinte e três anos de idade e sou obrigado a me submeter as suas ordens, independente do que for. Ora julgo-me um covarde culpado, ora inocente. Tenho completa noção dos motivos por trás de cada ato meu desde que tive a má sorte de viver sob a custódia dele. Tornando-me, gradualmente, sua marionete.
Prisioneiro. Escravo mental.
Ele tem me dominado em suas próprias mãos, fato esse, que acarretou em ter me tornado o que ele queria que eu fosse: um assassino; alguém em quem colocar a culpa, caso algum plano seu dê errado.
Obriguei a mim mesmo a me conciliar a isso... Há uma pessoa importante para mim e podendo ser usada para atingir-me profundamente.
Em minha mente sempre vislumbro um dia claro, de céu azul vívido, sem nuvens, o calor do sol tocando em minha pele, onde estou andando num extenso campo de gramas verdes e árvores com bons frutos, respirando o ar puro e sentindo a liberdade, longe desta prisão abstrata, meu cativeiro.
Não há grades me contendo ou paredes ao meu redor, mas estou preso a ele e a tudo que me submete a dizer e agir. O desgraçado é o dono da minha vida.
Átila, desde minha recordação mais profunda, sempre foi de má índole. Agredia minha mãe violenta e constantemente, e logo, também a mim.
Quando ela foi assassinada, tive de ficar sob a custódia dele. Ninguém sabe onde mora a família da minha mãe, ou quem são de fato. A do meu genitor, habitavam a cidade, e já morreram.
Cresci sendo alvo da violência física e psicológica.
Minha madrasta sempre esteve a par e compactuou com isso, assim como minha meia-irmã, Ana, ensinada desde seus primeiros meses de vida que sou um animalzinho deles. Isabel — filha da minha madrasta(Suelen) — concebida de outro casamento, onde o esposo de sua mãe falecera, também se tornara minha companheira de "cela". E é ela o meu ponto fraco — por quem, toda vez que olho, procuro formas de nos tirar disso, pensando em como fazê-los serem julgados e condenados, logo, ganhando nossa liberdade. Tenho em minhas costas inúmeros pedidos dela para nos livrar disso.
Quem dera fosse tão fácil. No entanto, venho arquitetando soluções há algum tempo, e criei um plano ontem, em meio ao desespero antecipado do que estou fazendo hoje, apenas não sei se a execução terá eficácia.
Saindo da minha bolha particular, observo a estrada sem movimentação de outros automóveis, a pavimentação iluminada somente pela luz dos faróis do carro, revelando uma pista esburacada, onde o veículo chacoalha ao passar por cada pequena depressão.
Os corpos serão enterrados em um terreno baldio.
Toda essa situação trata-se de um plano — considero sem lógica — para que Átila consiga a recandidatura de maneira unânime na prefeitura da cidade onde habitamos: Terra Livre — com população em torno de 8.900 pessoas. É uma cidade interiorana a cerca de duas horas de Fortaleza.

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Submerso em Ossos
Mystère / ThrillerEthan é filho de um político de uma pequena cidade do Ceará. Sua vida, pela perspectiva alheia, é considerada perfeita. O que a sociedade não sabe é que dentro desta família habita um mal social. Ethan era espancado de duas a três vezes no mês, quan...