Anônimos que Reconheço

28 1 0
                                    

Já teve a impressão de ter visto alguém que acabou de conhecer, outras vezes na vida? Como se tivesse conhecido antes... em um sonho talvez?!  Em um universo paralelo?!
Exatamente o que aconteceu quando vi pela primeira vez o Icaro naquela agência bancária, um cara comum que me parecia algo preparado dos cosmos. O universo age como um irmão mais velho (como imagino que é): Quase sempre calado, planejando e mostrando o quanto é poderoso - em alguns momentos até se rende a nossa loucura - e nos acalenta com um presente (na maioria das vezes, com meias estampadas ou perfume lavanda).
Nesse momento da minha vida tenho apenas quatro "coisas" que me é importante: Várias galáxias, Josye, vovô e a música. Ouvir, me relaxa, acalma como um bebê que olha os planetinhas balançando, que sempre ficam na parte de cima do berço; Toda vez que menciono catástrofes - digo a forma exagerada - como presenciei o que estava acontecendo dentro de mim. Ter sentimentos é uma calamidade, seja tristeza, angústia, insegurança, alegria... porque atrapalha o desempenho e foco em coisas mais importantes com o papel de entretenimento que tanto te falta para complementar o vazio que é, não poder complementá-lo nunca, mesmo tentando incansavelmente. Então, podemos concluir que ele é apenas mais um entretenimento, porém viciante e execrável.

Foi á um ano atrás...
Icaro conseguiu minhas redes sociais logo depois da primeira vista e troca de sorrisos insanos, me chamou no chat. Começamos uma conversa de coisas aleatórias que ninguém fala com sanidade mental. Foi evoluindo. Três meses depois marcamos um lugar e nos encontramos. Minha esperança de ser apenas bom amigos entrou no poço. Rolou nosso primeiro beijo (o meu primeiro em um garoto). Descobri que sou bi e não lésbica, descobri que alguns garotos beijam bem, nem todos se dão bem com o patriarcado e que poucos artistas são maconheiros. Enfim, foram 8 meses de não sei exatamente. Escondendo meu real endereço com cautela. Até que comecei a ficar mais ansiosa e paranóica - doentia como um animal, um índio de uma tribo canibal; Resolvi terminar depois de dar um murro na cara dele. O motivo? Raiva! A raiva? Realmente não sei. O lugar? Praça pública! O murro? Nossa, foi muito relaxante, se nunca esmurrou alguém com força para fazer sangrar, com certeza não viveu tudo ainda! Ele, atordoado desmaiou, sai correndo e perdi o contato, meu endereço nunca deixei que descobrisse (minuciosamente planejado), todavia já são quatro meses, não tenho mais nada a perder, estou saindo do manto e entrando no núcleo.

13 de julho
Hoje vou reinstalar todas as f**king redes, se acaso ocorrer muito pandemônio, e eu perder o controle outra vez, não vou querer outro celular! Vou querer outra identidade, outro gênero, idade, personalidade, aparência e um presídio/casa num país de lingua castelhana. Que fique avisada! Ambicione muita sorte à mim, para que eu não destrua nosso desventurado planeta.

Reinstalei, fiz login e abri o chat.
Amedrontada e anestesiada com o que encontraria ali, em um mero aplicativo de celular. Tinha mensagens de estrangeiros/estranhos em geral, logo bloqueei todos até os que eu conhecia da escola; no entanto, uma garota ruiva com a foto do perfil embaçada, não me era estranha, quando olhei bem direito os detalhes, tinha uns traços parecidos aos de Ninka. Meu coração acelerou total, saindo do núcleo onde estávamos. Ele e ele. Cliquei e tinha a seguinte mensagem de três meses atrás:
"Olá Helle, aqui é Ninka! Provavelmente não recorda, erámos do mesmo orfanato e você foi adotada dois anos antes de mim, talvez nem saiba que também fui adotada. Moro em uma casa longe de onde vivíamos. Vi seu perfil e estou aqui. Espero que me responda logo, estou muito empolgada!" - às 5 hrs PM.

Meu coração estava no manto quase na crosta terrestre, fiquei gelada e paralisada por uns 10 minutos, tinha alguns arrepios enquanto segurava o celular firmemente, pensando e relendo, sem coragem alguma para responder. E assim fiz! Não respondi (não até o final dessa parte do fichario) porque será estranho um dia reencontrá-la, (ou não) mas mesmo assim, não estou tão preparada quanto pensava e sinto que nunca vou estar! Fechada aos estigmas, as cicatrizes e dores de um dia ser discriminada outra vez.

O transtorno psicológico que tenho, me fez criar verdades quase absolutas, sobre o mundo e sobre mim e essas verdades hoje, me cercam. Não consigo encarar nada, nem a mim mesma. Estou chorando e escrevendo. Nem me proponho á provar outro sabor de sorvete, por supertições e manias que não controlo; Sinto que estou numa eterna regressão do meu eu. Clamando por cura.

Finalizei o backup, quando carregou uma nova mensagem. Era do Icaro, e percebi que eu devia desculpas à ele por eu ser esse chorume de ser que nunca pediria perdão de fato, mesmo dizendo mil desculpas por existir. Cliquei e tinham duas duzias lotando a tela do celular - mensagens não lidas. Umas se desculpando, outras perguntando o motivo, e algumas dizendo que me ama. Doentio! Talvez um pouco? Ou quer de mim apenas o eternizá-lo na memória. Respondi friamente, com o meu endereço. Espero que por aqui apareça, para que tudo eu esclareça. Nossa, sou poesia em matéria emaranhada.

Em gráficos que criei ao longo da vida, calculados em uma velha calculadora grotesca, notei que não há sentido em algumas coisas, mas quando se usa números: Dias, horas, minutos e centésimos fazem mais para tempo que dia é sol e noite é escuridão. A falta da razão nos deixa completamente desnorteadas e onduladas, como ondas eletromagnéticas propagando no vácuo sem rumo, algumas inferiores, outras superiores. É a definição e não a solução. Como se fosse tão fácil saber quem se é de verdade e com mágica toda sua vida se reorganizaria, numa perfeição inestimável. Se fosse possível, seria uma dádiva incontável.

Tenho muito medo ainda, mesmo negando e aparentando que não. Apenas observando meu medo de errar demais, de desapontar a mim mesma, de tentar outra vez, da dor e da vulnerabilidade. E com todos eles me privo de ares que tem em lugares de luz. Espero não estar tão sozinha nesse treinamento do ofício que é: enxergar.

Esperança AgoraOnde histórias criam vida. Descubra agora