O Primeiro Réu

48 1 0
                                    

Um dos piores criminosos são os que negam até a morte seus crimes. É fatal. É sórdido. É árduo.

A filosofia e a mídia cultuam o amor, e fazem-nos acreditar na existência. É fácil falar sobre mais uma de nossas fantasias, mas o que passei anos sem saber e só com essa visão subversiva, percebi que ele é apenas mais um narcótico. Devo ter chocado bem pouco, não há muito impasse; Sinto dizer, a culpa não é minha! Amava esse dopem também, figurativamente era a única coisa que me fazia sentir "única", mas ainda sou como qualquer outro.
Vejo como um Júri de tribunal composto pelos jurados de conselho de sentença que declaram se o réu é culpado ou inocente. Os jurados representam tudo que sinto/sentia pelo(s) réu(s) que cá vou lhes apresentar.
Ele foi o primeiro garoto que me apaixonei, era inimaginável me ver gostando/atraída por um homem. Foi na fila de um banco, eu precisava fazer um saque do mês para minhas necessidades de sobrevivência, lá eu estava, numa semana rotineira e ele na fila ao lado, numa situação esquisita e por ironia da coincidência as duas filas andavam iguais, simultaneamente. Um passo meu. Um passo dele. "Todos os corpos caem na mesma velocidade, que é proporcional ao tempo da queda" Segundo Galileu Galilei se dá a gravidade; Talvez subjetivamente houvesse um campo gravitacional a nossa frente ou lateral que fizesse tal interação. Nos olhamos, e vendo aquela situação apenas rimos. Ele, com estatura média, uns dois anos mais velho que eu, olhos castanhos, cabelo bagunçado, pardo, com aparelho, relativamente normal. Vi apenas o olhar dele que me transmitia algo diferente, não sentia medo como de outros caras - ele era imune a todos meus traumas com a figura masculina - isso enquanto ríamos como idiotas no meio de homens engravatados e mulheres com sapato scarpin. Seguidos de "sou Helle!" e "sou Ícaro!". Pra mim, já não era mais um dia qualquer, mal sabia que era um dia de "catástrofe". Todos os dias que significaram no caos da minha vida é uma catástrofe!

É difícil dizer como as pessoas se conhecem, até porque passamos 15 anos na escola e se você não frequenta uma igreja, participa de algum grupo, faz cursinho, tem religião ou é morador de rua que são todas exceções, é bem difícil conhecer alguém novo e mais complicado ainda confiar em quem se conhece na internet (em alguns casos), porém se você for antissocial a probabilidade diminui/cai total, zero chances! (Esse é o meu caso). Entretanto no dia em que fui obrigada a sair de casa em pleno dia ensolarado (inevitavelmente) me deparei com mais um dos desastres de ter uma vida desgraçada. Gostar do pouco, querer o simples, ver utilidade no inútil, ver beleza nas coisas mais sórdidas, sabor bom no amargo, continuar caminhando numa rua sem saída, realmente...
Uma vida desgraçada, desgraça uma mente.

Saímos do banco e cada um foi para um lado da rua quase cientes de que nunca mais nos veríamos. Fui a sorveteria, pedi o sorvete de flocos de uma bola matinal. Comi tão rápido que cheguei na casquinha logo que estava oca por dentro, sem sorvete derretido, sem nenhum floquinho sequer, percebi que esse era o fim do sorvete e no fim das coisas, não há nada, ás vezes uma casca/memória ou outra. E depois... nada.

Hoje, voltei ao banco. Novamente passei na sorveteria e diferente daquele dia, nada ocorreu; Apenas mais um da semana rotineira.
Chegando em casa, sem forças nem vontade, apenas me deitei e me estabilizei. Não tenho vontade de me masturbar, nem ouvir música, tudo que amo/amava fazer, não me dão prazer á muito tempo. Há dias não vejo meu reflexo no espelho (não quero ver), meses que não penso em cometer suicídio, não tem como! Estou mal, estou doente fisicamente; Desmaiei duas vezes só nesse quarto, estou gelada, minha cabeça dói muito, não consigo chorar, meu corpo é pesado demais para que eu carregue sozinha. Não sei o que fazer, Josye é presidente de uma empresa, com certeza ela não pode me ver tão frágil, e enquanto eu viver não irei deixar verem minhas fragilidades!

08 de julho
Caso eu esteja morta amanhã, espero que você Josye ao menos tenha tirado as cuecas box (que não são minhas) da lavadora, respeitando o meu solitário, sombrio e ofuscado funeral.

Toda semana ela paga um cara diferente para satisfazê-la, não acho tão errado assim (em partes), eu nunca trataria alguém como objeto, ela "necessita", então... tranquilo.
Mas nunca lê minha agenda, é uma pena, só escrevo para ela! Na minha vida ela é um dos karma que gosto de carregar. E o que eu odeio? Meu pai biológico, o primeiro réu culpado de toda minha vida como juíza (figurativa), ao que se refere à ele, não tenho nem a casquinha/memórias, quem dera o sorvete. Não chego a culpar minha mãe morta, ela foi só uma vítima assim como eu. Um dia ainda vou conhecê-lo e com uma faca amolada cortar seu pescoço e tirar seu sangue como fazem com os galos que cantam três horas antes de amanhecer na fazenda de vovô (pai de Josye) que visitei várias vezes. Algumas pessoas que cruzam nossas linhas pontilhadas feitas á tinta, manchando todo caminho merecem sofrer por apenas EXISTIREM.

Ainda vou saber seu nome, e vou encontrá-lo, e vai precisar ter a MELHOR desculpa, senão, encontro forças e lhe arranco a cabeça! Aparento estar viva, mesmo morta por dentro.

Josye é uma mulher bem sucedida, com cabelos castanhos curtinho e liso; Na faixa dos 50 com algumas cirurgias plásticas que á fazem aparentar 59. Lembre-se: "Não são todas cirurgias que dão certo!" E no caso de Josye, apenas uma deu. Ela é bem legal e bem ausente, no entanto gosto de ficar só, é lucro! Ainda não sei o motivo pelo qual ela me adotou, ela nunca se casou (não pretende). Sempre quis me manter no conforto, me mostrando a simplicidade da vida. Dela, só tenho que agradecer, não merece eu como herdeira, (não a chamo de mãe) ela me chama de filha!
Para todos, com a minha vida de hoje, se eu fosse infeliz seria ingrata. As pessoas não sabem, não é o conforto que me faz feliz, não é ele que me faz incapaz, nem ele que mudaria minhas cicatrizes, eu não sou nada com ou sem o conforto; Nem um pingo de luz para o universo; Se sou o que creio ser, com certeza deixei de acreditar. Não sou um artista qualquer avistando o futuro, porque se eu me propuser olhar, vou ver lágrimas, dor e sangue. Não perco tempo pedindo desculpas. Minha força zerou.

Esperança AgoraOnde histórias criam vida. Descubra agora