Uma Universitária Sem Turma

Pautas quentes

Desci as escadas correndo para as plataformas 3 e 4, onde o trem estava parado e me sentei. Pelo vidro, observei Pietro discutir com a Gabiranha, passar pela catraca correndo e desaparecer descendo as escadas. Hahaha! Pode correr a vontade Pietro, não vai dar tempo!

Eu já estava cantando vitória, quando Murphy resolveu me mandar lembranças:
- O trem parado nas plataformas 3 e 4 não prestará serviço, por favor, não embarcar!

Saí do trem e dei de cara com Pietro. Mal dei as costas, ele me puxou para que eu olhasse para ele.

-Virou hetero agora- ele tampou minha boca antes de eu concluir minha pergunta, estava com tanta raiva que fiquei tentada a mordê-lo - Aqui não - ele disse me levando até o final da plataforma.

- Não é o que você está pensando. Meu padrasto andou ouvindo alguns boatos sobre as minhas preferências, eu ouvi ele discutindo com a minha mãe e ele disse que me expulsaria de casa se fosse verdade, eu detesto ele, mas eu não tenho como sair de lá agora.

- Ai, Pietro, ele é mesmo um babaca. Então, você pediu ajuda para Gabi?

- Não, exatamente. Eu bebi muito na noite passada, a Gabriela também, aí ela me beijou, e eu não sabia o que fazer, porque nossos pais trabalham no mesmo hospital, eu não arriscar falar a verdade para ela, então, eu retribui o beijo e agora ela não desgruda de mim.

Como diria Cléo Pires "eu não sou capaz de opinar", só conseguia olhar atônita para o meu amigo.

- Ainda está brava comigo?

- Não, vem cá - puxei Pietro para um abraço - eu sinto muito.

------

A lan house era um tédio durante a manhã, o que por um lado era bom porque eu tinha um computador com pacote adobe completo e tempo para fazer os trabalhos da faculdade. Estava diagramando um jornal seguindo um tutorial de indesign aleatório no Youtube, quando tive a ideia brilhante de escrever sobre o que eu vi na sala do Pietro - eu achei que se eu contasse para ele só iria piorar as coisas, mas eu simplesmente não conseguia esquecer aquela cena bizarra - então, eu apaguei o Lorem Ipsum e comecei a escrever sobre ela, e depois disso, fui só ladeira abaixo, possuída pelo espírito da garota do blog, eu ria escrevendo sobre as atléticas patéticas, e até ilustrei o tomate puto (como chamávamos o mascote da nutrição) porque fala sério, né? Qual é a lógica desses mascotes bombados? 

Não tive coragem de apagar minha prima, então, salvei o arquivo para dar risada depois. E voltei para o trabalho de Psicologia Social, o professor queria que lançássemos um produto criativo e as meninas do meu grupo tiveram a ideia de fazer um aplicativo que te impedisse de mandar mensagem para quem te ignora. O nome dele seria "Ignorados Anônimos" e o símbolo faria alusão ao visualizado do whatsapp. Basicamente, você cadastrava o contato da pessoa que te deu ghosting, o aplicativo bloquea ela de todas as redes sociais e te impede de ligar, e se você desbloquear ela, uma publicação vergonhosa será feita no seu perfil avisando que você teve uma recaída após xx dias. Mas antes o app mostraria uma sequência de memes/pop ups questionando se você tinha certeza.

Além disso, também teria a função mural das lamentações, onde os usuários poderiam compartilhar suas histórias e lamentar juntas. Eu mal podia esperar para ver a  reação do Picasso ao nosso trabalho. 

Mandei o link da apresentação no canva paras as meninas verem e elas adoraram o visual. E vai até que eu não era ruim de design.

- Você não vai acreditar no que aconteceu - recebi a mensagem do Pietro.

- O que aconteceu? - respondi na velocidade da luz, mas ele por ironia do universo, ele me deixou no vácuo, talvez, devêssemos incluir na apresentação do aplicativo quem tem amigos que te ignoram por dias também.

Ás 18h, fui ensaiar para o seminário com o meu grupo em uma sala vazia. Estava relendo minha parte no bloco de notas quando eu recebi uma notificação do Pietro, quer dizer, uma notificação do Facebook de que ele começou um relacionamento sério com a Gabriela. "MAS QUE PORRA É ESSA?"

- Demi! Demi! O Prof Paulo chegou, está na hora da gente ir pra sala - disse a Elis me tirando do transe. 

Entramos na sala justamente quando o professor, que estava sentado no meio da sala, perguntou: 

-Então, que grupo quer ir primeiro? - após um minuto de silêncio, ele mesmo respondeu - Bem, sendo assim, os últimos a chegar serão os primeiros, pode começar Demetria e companhia.

Filho da p... Mas hoje você vai ver o quanto eu estou preocupada com a sua opinião, pensei. Com o coração acelerado, aguardei enquanto as meninas falavam suas partes, dei um passo a frente e falei sobre as funcionalidades do aplicativo, achei que Paulo iria deixar a máscara cair quando eu encerrasse, só que para minha surpresa ele abriu e um sorriso perfeito e bateu palmas dizendo que o trabalho estava ótimo.

Enquanto eu voltava para o meu lugar, entre os aplausos da sala, ouvi ele dizer só para mim: 

-Mas, não esqueça que a M2 tem o dobro do peso desse trabalho. 

Com a promessa de que seriamos liberados mais cedo, as apresentações se seguiram uma atrás da outra. Quando isso finalmente aconteceu, eu estava morrendo de fome, então, ao sair pela portaria principal parei para comprar a tradicional pipoca com bacon, queijo e amendoim

Quase vomitei as pipocas, ao ver Gabriela se despedindo de Pietro na estação. Entrei na estação lotada com os estudantes da UMC e da rival, UBC, que ficava ironicamente do lado oposto da plataforma. 

Pietro simplesmente enfiou a mão na pipoca e encheu a boca como se quissesse tirar o gosto anterior. Peguei a pipoca de volta e disse:

-Desembucha.

- Ela foi lá em casa hoje, de surpresa! E detalhe: meu padrasto estava em casa!

- E aí?

- Ele ficou todo orgulhoso e passou a tarde falando que ela era uma excelente escolha, que os pais dela eram muito respeitáveis e com certeza, aprovariam o nosso namoro.

Me engasguei com a pipoca. Eu não sabia nem o que dizer para ele. 

- Eu não sei o que eu faço, Demi, sério!

- Calma, a gente vai pensar em uma saída. - chacoalhei a pipoca mostrando o fundo - aqui, eu deixei todo os queijinhos para você.