Capítulo 1

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      Eles haviam achado mais um corpo, boiando abaixo do píer. Um casal de idosos donos de um restaurante a beira mar que viram o corpo e pediram ajuda as pessoas mais apropriadas: os pescadores. A cidade era pequena, e mesmo que algumas pessoas estivessem ligando para a emergência, qualquer ajuda só iria chegar quase no fim do dia. Marcelo estava sentado na areia da praia, observando enquanto mais pessoas chegavam para ver o morto. Ele não queria saber de nada daquilo. Sentia muito pela família, mas mais ainda pelo seu surf. Sua mãe o havia proibido de surfar enquanto não solucionassem o mistério dos garotos mortos na praia. Este era o terceiro, em menos de um mês. Marcelo respirou fundo. Ele teria problemas, assim que a mãe descobrisse. Ela já estava planejando manda-lo para São Paulo, para morar com o pai. Amanhã, neste mesmo horário, ele já estará de passagens compradas e mala feita.
         Marcelo se levantou, sacudiu a bermuda para limpar a areia e se aproximou da multidão em volta do corpo que os pescadores haviam deixado na areia. Esbarrou em uma senhora que repetia "Jesus Cristo" com um rosário nas mãos. Viu o pai e a madastra de Juan, se aproximando ao virar-se para se desculpar com a senhora. Teve de empurrar algumas pessoas, mas enfim conseguiu chegar diante do corpo. Foi como levar um soco no estômago - e ele já havia levado vários. Sentiu as pernas falharem, então caiu de joelhos. A sua frente, deitado de uma maneira desengonçada, sem vida e cheio de ematomas e cortes que mais pareciam mordidas, estava seu melhor amigo, Juan. Então ele ouviu um grito. Levantou os olhos e viu Sofia madrasta de seu amigo e o pai, João, horrorizados e se debulhando em lágrimas.
        A duas semanas atrás, o primeiro garoto desapareceu, Filipe, um ex colega de turma com quem Marcelo já teve diversas brigas, depois da morte da mãe ele havia começado a usar drogas, e todos deduziram que ele tinha cometido suicídio. Depois veio Tadeu, do time de futebol da cidade, cheio de amigos, orgulho dos pais, mas a pouco tempo tinha perdido a chance de ir jogar em grande clube devido a um deslocamento e todos deduziram que isso poderia tê-lo levado ao suicídio também. Mas Marcelo duvidava seriamente disso e agora suas suspeitas haviam se confirmado: assassinato.
       Ele olhou em volta, e mais uma vez para o amigo, e então fez o improvável, correu de volta pra casa. Estava assustado e estava contendo as lágrimas. Era difícil acreditar que seu amigo desde os 7 anos, havia sido morto por algo que ele nem sabia o que era. Não parecia ser um humano, ainda assim, as pessoas são capazes de coisas inimagináveis. Passou o dia todo trancado no quarto, a mãe ao chegar do trabalho quis falar com ele, mas desistiu na décima batida a porta do quarto, talvez mais tarde, ela pensou. Marcelo olhava pro teto, atordoado como nunca na vida. A exatas duas semanas atrás ele viu algo estranho na praia, enquanto surfava, ele pensou ser uma garota, mas não poderia ser possível, nadando a àquela profundidade. Ele foi levado pela onde e caiu feio, de volta a terra firme, ele não comentou nada com ninguém sobre aquilo. Mas também, o que poderia dizer?
           Ele suspirou, virou de lado e estava pronto para dormir - Não que ele fosse conseguir - quando ouviu uma voz. Abriu os olhos subitamente e se levantou. Não era nada. Mas então ele ouviu de novo,  voz estava em sua mente, envolvendo-o e seduzindo. Não era uma voz qualquer, mas sim a mais doce e aveludada que ele já havia ouvido e cantava uma canção triste, tão triste que ele quis ir até ela, consola-la e...
        Ele piscou várias vezes. Estava ficando maluco. Puxou o cobertor para junto de sim e se enrolou nele cobrindo até a cabeça, mesmo que o suor escorresse em sua testa ele tinha esperança de que talvez isso o impedisse de sair por aí feito um sonâmbulo. Estava começando ficar sonolento, quando mais uma vez a canção tomou conta de sua mente levando-o a um estado automático que ela controlava. Marcelo levantou-se da cama, abriu a janela e escapou por ali, sorrateiramente. Não demorou muito a chegar na praia, conhecia aquele caminho até de olhos vendados. Ele sempre sentiu uma ligação inexplicável com o mar, mas agora ele parecia chama-lo, as ondas pareciam atrai-lo com uma urgência que teria deixado qualquer um assustado. Mas Marcelo estava em transe, hipnotizado por aquela canção.
       O garoto se aproximou do píer em passos lentos, até chegar ao final dele, onde a água era funda e escura, tudo o que se via era o reflexo da lua na água. Ele percebeu que algo estava vindo em sua direção, ou melhor nadando. Explicar sua beleza seria impossível, ela tinha longos cabelos castanhos a pele palida, mas o rosto, parecia delicado, com um sorriso iluminado que poderia convencer até o mais durão dos homens a latir e dar a patinha. E o olhos, grandes olhos acinzentados, profundos que pareciam encherga-lhe a alma. Em seu interior, Marcelo travava um luta acirrada contra aquela indução que mais cedo ou mais tarde iria leva-lo a afundar no mar, como todos os outros.
        Ele se aproximou, mais e mais, até ficar próximo o suficiente para ver a calda da sereia.
- Quem é você? - foi tudo que conseguiu balbuciar.
        Ela sorriu, não disse nada e indicou com os dedos para que ele se aproximasse. E foi o que ele fez, aproximou-se tanto que teve de ficar de joelhos e apoiar-se nas mãos para vê-la mais de perto. Era encantadora, como um sonho. Mas desta vez foi a sereia quem recuou. Ela olhou em sua direção assustada e então mergulhou, a calda jogando água para todos os lados, deixando-o encharcado. Marcelo balançou a cabeça e olhou para o mar a sua frente. O que estava fazendo ali? Foi seu primeiro pensamento. Voltou para casa as pressas antes que alguém o visse. Entrou pela janela, sem entender porque ela estava aberta e trocou de roupa, sem saber o que o havia deixado molhado. Sentia dentro de si um vazio enorme, uma dor quase insuportável, como se tivesse perdido a chance de surfar uma onda perfeita. Mas não sabia o porque da dor.
         Ele voltou a praia, as duas noites seguintes, sem saber o que procurava, apenas se sentava no píer e ficava olhando o mar, desejando ser levado por ele e com o passar do tempo, esse sentimento ia tomando forma e tamanhos assustadores. Marcelo estava obcecado pelo mar, apaixonado por uma sereia.

Creatures Of Ocean'sOnde histórias criam vida. Descubra agora