Capítulo I

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Pra começar do começo, tudo na minha vida gira em torno de uma grande busca de algo que não sei o que. Sempre olho pra dentro e olho pra fora, e olho pras pessoas, e observo o mundo, em busca disso que nunca encontro. E nessa busca eu me perco e me esqueço do que sou, do que gosto, do que quero. Eu me procuro nas outras pessoas. E procuro elas dentro de mim. Toda viagem que eu faço é na tentativa de me achar um pouco mais. De descobrir quem eu sou e o que eu quero. E enquanto eu viajo, isso me parece muito claro. Eu sou tudo e todos. Eu sou livre dentro dessa prisão de querer ser livre. Eu sou movimento. Sou pulso, impulso, sangue e suor, calor, cansaço, fome, sorrisos, abraços, amor. E então me olho no espelho: eu não sou nada além de historias. Várias historias. Que vivi, que imaginei, que ouvi. As historias dos outros que se misturam com as minhas. Mesmas histórias sob pontos de vista diferentes. A mesma vida de um outro ângulo. Que é disso que eu sou feita, ângulos. E algumas curvas também. Nada me preenche mais do que contar e ouvir histórias. Ser história.

Do mesmo jeito que eu não sou a mesma quando volto de uma viagem, também não o sou quando termino um livro. E de repente a vida faz um pouco mais de sentido nessa pequena descoberta: é possível mudar uma pessoa com uma boa história. Porque é no olhar do outro que a gente se reconhece, é na experiência do outro que a gente se identifica. E assim como tantas pessoas, lugares, relatos mudaram a minha vida, dessa vez sou eu que tenho uma história pra contar.

Era terça-feira, 3 de setembro, muito cedo. Acordei agitada, com o coração apertado. Tinha sonhado que havia morrido. Segunda vez na vida que tinha esse sonho. Mas não era uma morte como quando nos jogamos de um prédio ou levamos um tiro, morremos e logo acordamos. Não. Eu morria e continuava sonhando. No vazio escuro, divagando sobre como meus pais e irmã receberiam a notícia. A sensação tão real de nunca mais vê-los, de impotência sobre aquela condição. O fim de tudo. Solitário, silencioso e sombrio. Nada que pudesse ser feito e nenhuma outra chance para dizer ou viver aquilo que ficou faltando. Só depois então que acordei.

Eu viajaria dali a algumas horas. Mas agora meu desejo era de cancelar tudo. Desistir. Com certeza esse sonho era um sinal. Queria contar toda a verdade para a minha mãe. Eu viajaria sozinha, completamente sozinha, e não com mais uma amiga e o namorado como tinha dito. A culpa me corroía por dentro. Por que eu sempre acabava mentindo? Por que eu não podia simplesmente contar a verdade e me impor? Não sei. Só sei que agora eu já não podia voltar atrás. Terminei de arrumar minhas coisas com a sensação de aquela poderia ser a última vez.

Peguei a carona pra São Paulo logo depois do almoço. Me despedi da minha mãe e irmã com um choro entalado, rezando por dentro para que voltasse a vê-las e fui. No carro eu e mais 3 rapazes.

Todos bem classe média, mesmo tipinho, do interior, formados e sustentados pelos pais na capital paulista. Eles conversavam entre si sobre política e outras banalidades das quais nem pareciam entender. Eu seguia quieta olhando a paisagem e mexendo no celular vez ou outra. Até que alguém perguntou o que eu fazia. O que eu fazia? Essa pergunta sempre me causa certo desconforto. Era difícil responder com uma frase pronta. "Sou formada em jornalismo", falei. Daí a próxima de praxe: "E onde trabalha?". Então eu comecei a tropeçar nas palavras. "Não trabalho na área. Pois é, não trabalho. Eu abri um negócio próprio. Aham. Não, não é assessoria nem tem nada a ver com comunicação. Eu faço arte. Sim, arte! Pinto em porcelana, cerâmica e vidro, e vendo pela internet. Isso, tenho um site. Claro, entra lá depois pra dar uma olhada". E finalmente a curiosidade cessa.

Um deles se chamava João, estava no banco de trás junto comigo. A mãe dele era ceramista e por muito tempo fez aulas com um professor em Ribeirão. Perguntei qual professor, eu também estava fazendo aulas de cerâmica. Pra minha surpresa era o mesmo. E daí um assunto foi puxando o outro e conversamos durante um bom tempo.

Pepinos do mar e suas históriasOnde histórias criam vida. Descubra agora