[1] Ela

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Jane detesta muitas coisas.

Detesta pequenos bichos.
Detesta água fria.
Detesta café.
Detesta o seu trabalho.
Detesta ver-se ao espelho.
Detesta roupa justa.
Detesta a sua professora de matemática.
Detesta o namorado na mãe.
Detesta o seu peixe dourado.

Mas Jane também sabe odiar

Odeia ter muitos "amigos" e não conseguir confiar em nenhum.
Odeia ter fobia a multidões.
Odeia estar triste.
Odeia não conseguir explicar o porquê de estar triste em momentos supostamente alegres.
Odeia a sua doença renal.
Odeia saber que está mal mas não conseguir pedir ajuda profissional.

E caramba, é cansativo odiar tanta coisa.
Exato. É isso mesmo.

Jane está cansada.
Cansada de quase tudo.

Cansada de acordar cedo para fazer algo que não gosta.

Cansada de ouvir comentários negativos e duros por parte da sua família.

Cansada de ter de ir três vezes por semana ao hospital pois os seus rins não funcionam em condições sozinhos.

E principalmente, está cansada de se sentir inútil, vazia, sozinha e triste. Bem, triste talvez seja uma palavra demasiado simples.

Naquele dia eram exatamente 17:15.
Tinha saído do trabalho às 16:50. Bem, se tivesse aparecido.

A sua consulta rotineira por causa dos seus rins estava marcada para as 17:45 mas ela sabia que não ia.
Aliás, não iria precisares de mais nenhum segundo naquele hospital.

Caminhava pela rua e tudo estava em tons alaranjados. Inverno. Frio.

Parou em frente a um grande edifício. Sabia que era uma empresa de negócios, até tinha uma amiga que trabalhava ali, mas ela não estava ali por ela.
Estava ali por saber que era um prédio alto.

Muito alto.

Cerrou os punhos e deixou que as suas unhas compridas a magoassem. Ela queria apenas ganhar um pouco mais de coragem.

Entrou facilmente. O segurança já a conhecia de vista pelas vezes em que ela  tinha ficado na recepção à espera da tal amiga.

Era dela que Jane ia sentir mais falta. Apesar dela não falar sobre assuntos que lhe interessassem, era a única a perguntar de vez em quando "como estás?". Jane pensava agora que devia ter dito "não, é claro que não. estou mal, não se vê logo?"

Tocou no botão do elevador e subiu até o 52° andar. Andar do "rooftop", ou seja, o andar do telhado.

Demorou cerca de 6 minutos a chegar lá a cima pois as pessoas iam clicando em vários botões para subir e descer mas assim que chegou ao topo suspirou.

Deixou cair uma lágrima.

Okay, duas lágrimas.

Três...

Quatro....

E, sem ter a certeza do porquê, não conseguia parar.

Falling Together | bbhOnde histórias criam vida. Descubra agora