SilverLeaf observava o voo de uma garça saindo da praia ao longe. Seus braços escorados na janela da torre. A mente buscava um descanso, o ritual de passagem tinha lhe afetado a mente de alguma maneira. Não algo dramático como virar um clérigo do Deus do Caos ou algum outro tipo de insanidade. Algo mais sutil, no entanto, uma percepção diferente do tempo.
Uma estranheza à falta de necessidade de comer, beber ou dormir. Alguma coisa a mais (ou a menos), um certo desapego à realidade que o cercava, algo que o deixava incompleto. Por mero capricho, às vezes, degustava algumas tortas e bolos feitos com frutinhas da região. Aquilo, de alguma maneira, lhe saciava a "alma".
Seus pensamentos são interrompidos ao sentir a presença de um caçador em seu domínio. Fechou os olhos e conseguiu observar o caçador se esgueirando atrás de um cervo. Se concentrou e o caçador decidiu que aquele não era um bom animal. Tinha desperdiçado meia hora de caçada atrás dele. Foi atrás de outro animal.
A vigilância que mantinha em seus domínios era facilitada por este ser de poucos quilômetros. Por isso, também, só se afastava de sua torre por uma ou duas horas. Sempre havia o perigo de algum pelotão goblinoide se aproximar. A terra que um dia fora de seus antepassados e onde ele mesmo crescera fora corrompida numa terra maligna, cheia de morte e podridão. Ele iria recuperá-la. Iria derrotar aqueles goblinoides. Os elfos novamente seriam grandes e não mais precisariam de sua deusa caída.
Suspirou, como mero ato reflexo, já que não possuía mais necessidade de ar para seus pulmões. Olhou para dentro e moveu-se até sua mesa de projetos: uma armadura completa anti-goblinoides.
O mago pegou as medidas do guerreiro que receberia a armadura. Fez alguns desenhos, olhou outros. Mediu e ajustou alguns trapos num molde. Tudo realizado com parcimônia e fleuma. Não precisava ter pressa, tinha todo o tempo que necessitava, mesmo que não fosse um cronomante ou necromante.
No meio da escuridão da noite, seu servo, um elfo celestial, adentra a oficina acompanhado de uma criatura metálica e voadora do tamanho de um livro. Sem dizer qualquer palavra, o servo pega o molde pronto e o carrega até a fundição, onde os anões de fogo aguardavam para mais um trabalho.
Com um gesto em frente ao rosto, o mago viu as imagens e sons capturadas pelo pequeno construto voador: um tropa hobgoblin circulava a alguns quilômetros de seus domínios. "Sem perigo aparentemente." - pensou SilverLeaf.
- Continue seguindo-os Etá. – prontamente o Ferrão Espião virou-se e voou rumo ao acampamento hobgoblin.
Com alguns outros gestos abriu outras seis imagens numa das paredes de sua oficina. Duas estavam paradas, uma estava escura e outras três mostravam grupos de aventureiros, aliados ou não. "Agora ao projeto do Arco Perseguidor".
Prestes a concluir o arco SilverLeaf sentiu quando seu amigo e ex-companheiro de aventuras adentrou seus domínios. O elfo ranger MagicEye era o único amigo do mago, os demais eram servos ou aliados. E nada mais que isso.
- Como passas velho amigo? – SilverLeaf enviou magicamente uma mensagem mental.
- Bem. – respondeu MagicEye soturnamente – Tenho novidades para você.
- Lhe aguardo.
O ranger subiu ao terraço da torre e SilverLeaf lhe aguardava com bule de chá amarelo e uma torta de frutas vermelhas.
- Amigo!!! Saudades em vê-lo. Quantos meses que não nos vemos?
- Grande Silver, o defensor élfico! É sempre aprazível estar aqui contigo... no lugar mais próximo do nosso antigo lar...
As palavras foram acompanhadas de um forte aperto de mão e de tapas nas costas. Alguém desatento poderia dizer que aqueles fossem anões. Um bom observador, no entanto, ponderaria que aquele comportamento só existe entre amigos verdadeiros, mesmo que estes fossem elfos.
- Sente-se meu amigo, coma, beba e conte-me o que viste por este mundo.
- Silver – a pausa soou mais solene que o imaginado – Nosso povo tem aceitado a escravidão pelos minotauros como uma dádiva. Dizem terem encontrado um novo lar e uma proteção que há muito lhes escapara. Os poucos que possuem vontade de lutar por algo abandonaram a fé na nossa Deusa Mãe, escolhendo a Guerra e a Ambição. - disse MagicEye servindo-se de uma generosa fatia da torta de frutas fartamente recheada.
- Sabes que sempre fui devoto do Conhecimento. A Deusa Professora nunca falhou-me, ao contrário da criadora da nossa raça.
Uma pausa ocorre acompanhada de um gemido de satisfação de MagicEye.
- Isso aqui é muito bom. Nem parece que foi feito por mágica! – o ranger mal ouvira o que o amigo falou.
- E não foi. – SilverLeaf resolveu mudar de assunto - Um dos anões, ou melhor, das anãs é quem fez. É uma cozinheira espetacular segundo a chusma. – respondeu o mago com um sorriso.
- Chusma?!
- Sim. Quer dizer turma. – meneou o mago. As décadas de estudo lhe faziam esquecer, às vezes, a complexidade de algumas palavras.
- Pois bem! – ajeitou-se o ranger para servir-se de mais um pedaço – Há um movimento, chamado de purista. São humanos ultra-xenófobos, mesmo para os padrões daquele reino nojento, que dizem ser a representação máxima da criação divina: uma mistura única entre Ambição e Guerra. Seriam eles, portanto, os verdadeiros donos de toda criação e que as demais raças devem aceitá-los como senhores ou morrerem.
- Isso já existia! Por isso nunca fomos lá. Era melhor passear na capital dos picanhas flamejantes do que vagar pelos ermos daquele maldito reino. Mas, o que esses malditos tem a ver com nossa luta contra a horda goblinoide?
- Não teremos apoio dos reinos humanos. Cada um lutará suas próprias batalhas. E, até muitos aventureiros, preferirão lutar contra os puristas do que ajudar nosso povo caído e humilhado. – o ranger tomou um bom gole do chá que jazia ao lado da torta – Contaremos somente com o apoio dos Elfos da Guerra. Novamente estamos isolados para reconquistar nossa capital.
- Queres dizer nossa "segunda" capital?
MagicEye apertou os olhos contra o amigo mago: "ele não gostava dessa teoria sobre a chegada dos elfos ao continente".
Estendeu-se a conversa pela tarde até que, ao longe, escutaram uma grande explosão. MagicEye observou aquela região, mesmo a vários quilômetros de distância, e viu corpos despedaçados de hobgoblins, orcs e ogros.
- Foi você Silver? – os olhos dilatados emitiam um brilho azulado, a boca entreaberta demonstrando sua incredulidade no que acabou de ver.
- Sim meu amigo. Os Ferrões Espiões são preenchidos com algum magia à minha escolha. E, se destruídos ou em outra situação pré-determinada, a magia é ativada. Neste caso, a magia escolhida foi a Mata-Dragão... – o mago calmamente explicava ao seu amigo quando um sorriso, perceptível somente para MagicEye, formou-se em seu rosto.
Os brilhantes olhos do ranger não piscavam, demonstrando que seu antigo companheiro de aventuras continuava lhe surpreendendo.
- Vamos MagicEye, eu tenho todo o tempo do mundo mas nossas irmãs e irmãos não tem. Hoje começa nosso plano de ataque. – o mago flutuava com velocidade torre a dentro. O coração lhe palpitaria se ainda tivesse um.
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Contos Contados
FantasyAqui publicarei contos focados em fantasia medieval, embora eu possa publicar outros gêneros. Não haverá uma periodicidade fixa. Capa de Giiovana29.